O homem que partidarizou a mídia nacional: um perfil de Roberto Civita

Atualizado em 1 de maio de 2016 às 17:51
Do jornalismo à propaganda política: Roberto Civita
Do jornalismo à propaganda política: Roberto Civita

O barão de imprensa que liderou o processo de partidarização da imprensa foi Roberto Civita, da Editora Abril.

Pouco depois da posse de Lula, em 2003, a Veja de RC abandonou o jornalismo para se transformar num instrumento de propaganda do antipetismo fanático.

Segundo o jornalista Ricardo Kotscho, que participou da primeira equipe de Lula, o motivo da atitude de RC foi o dinheiro.

Não era um fato novo. As empresas de jornalismo do Brasil não vivem e nem sobrevivem dos recursos públicos. Dependem visceralmente deles desde sempre.

Kotscho conta que  foi pedir dinheiro a Lula no começo do governo deste. Mais dinheiro ainda do que aquilo que já vinha sendo transferido para a Abril por meio de anúncios e de financiamentos do BNDES.

Não foi atendido.

Começou aí, diz Kotscho, a guerra da Abril contra Lula e o PT. Pode ter havido outra motivação além das moedas. Mas, a despeito de quais tenham sido as razões de RC, em pouco tempo na presidência Lula já tinha a Veja perseguindo-o selvagemente.

Alguns movimentos na redação foram marcantes na transformação da Veja. O diretor de redação, Eurípides Alcântara, tinha o perfil ideal para se prestar ao papel deprimente de executor da estratégia que mataria o jornalismo da revista e a tornaria a publicação mais odiada e mais odiosa da história da mídia nacional.

Mediano, sem nada de inovador, Eurípides – recém afastado – é aquele tipo que nasceu para obedecer e não para mandar. Era exatamente isto que Roberto Civita queria para a Veja. O que ele menos desejasse era alguém que o desafiasse.

Dois colunistas desempenharam também um papel relevante no novo perfil da Veja: Diogo Mainardi, na edição impressa, e Reinaldo Azevedo, no site.

Mainardi e Azevedo inauguraram a era do jornalismo patronal e plutocrático na Veja. O maior talento de ambos era e é atacar sistematicamente Lula e o PT.

Pode-se dizer tranquilamente que, sem Lula, os dois continuariam a ser o que sempre foram: jornalistas de segunda linha, inexpressivos, arrastando carreiras opacas.

Mainardi e Azevedo receberam holofotes em dose colossais da Veja por fazerem exatamente o que Roberto Civita queria que fizessem. Naquela época, eram poucos os jornalistas que se prestavam a uma tarefa tão infame.

Vistas as coisas em retrospectiva, as redações das grandes empresas jornalísticas se encheram, sob a inspiração de Roberto Civita, de réplicas de Mainardi e Azevedo.

Nos últimos anos, o principal atributo que os barões da mídia exigem de seus editores e principais repórteres é a disposição em investir contra Lula e o PT o tempo todo.

Já faz anos que foi abandonado o cuidado com coisas como provas para alicerçar notícias. Também nisso a Veja liderou a gangue. É clássica uma capa em que a revista publicou um dossiê sobre alegadas contas de petistas como Lula no exterior sem conseguir, como o texto admitia, “confirmar e nem desmentir” as denúncias.

Uma questão de vaidade pode ter sido importante também para a decisão de Roberto Civita de fazer da Veja um panfleto.

Ele ficou deslumbrado com o título de derrubador de presidentes no caso do impeachment de Collor. A Veja teve uma atuação de destaque na remoção de Collor, no começo dos anos 1990.

Foi o apogeu do prestígio da Veja.

 

O papel da Veja no caso Collor subiu à cabeça de RC
O papel da Veja no caso Collor subiu à cabeça de RC

Nos anos seguintes, a revista começou um  longo processo de declínio. A chegada da internet anunciou o fim da era das revistas impressas.

Derrubar mais um presidente – agora Lula – poderia devolver a relevância perdida à Veja.  Quanto isso pesou na mente de Roberto Civita? Para muitos que o conheceram na intimidade – eu entre eles –, muito.

Não se tratava apenas de reerguer a Veja, mas a ele próprio. RC tinha um déficit crônico de autoestima, como é tão comum em herdeiros. Quem construiu a Abril foi seu pai, Victor Civita, o VC.

Do ponto de vista jornalístico, RC era um editor de fachada. Não sabia escrever, não sabia fazer um título de capa, não conseguia sequer explicar com clareza o que queria, tal o apego a detalhes e tamanha a confusão com que se expressava.

Não fosse filho do dono, dificilmente teria sido admitido como estagiário na redação da Veja.

Sua insegurança patológica era compensada por coisas como uma sala monumental, de dois andares, e uma guarda pessoal de vários seguranças que o acompanhavam a toda parte.

Quando ele foi me visitar em 2000 no hospital depois de uma cirurgia, os seguranças bloquearam o andar inteiro em que eu estava para que RC fosse me desejar boa recuperação.

O caos psicológico de Roberto Civita ajuda a entender a metarmofose da Veja. Quando ele morreu, há três anos, a revista já era uma caricatura criminosa do que fora.

Roberto Civita jamais foi admirado pelos editores mais graduados da Abril, que conheciam de perto seus limites baixos.

Mas por seus pares, os demais barões da imprensa, acabou se tornando uma referência, pela qualidade jornalística da Veja no período compreendido entre sua fundação, em 1968, e o início da década de 1990.

Graças ao talento extraordinário de jornalistas como Mino Carta, José Roberto Guzzo e Elio Gaspari, a Veja se consagrou então como a melhor escola de jornalismo do Brasil.

Para os demais barões, o crédito foi não para quem de direito, os diretores de redação brilhantes da revista, mas para o dono. Eles não imaginavam o quanto da grandeza da Veja se devia à forma como Mino, Guzzo e Elio se insurgiam contra determinações de Roberto Civita.

Foi nessas circunstâncias que os Marinhos e os Frias acabaram por repetir as passadas de RC. Editores e colunistas ao estilo de Mainardi e Azevedo se multiplicaram pela imprensa brasileira.

Hoje, no caso mais espetacular de partidarismo, o Jornal Nacional é como uma versão eletrônica da Veja. Neste processo, o pudor foi perdido entre os jornalistas patronais. Ninguém mais se esforça por mostrar parcialidade.

Um caso simbólico é o do diretor da Globo Erick Bretas, que fez campanha abertamente pelo impeachment em seu Facebook e, em determinado momento, se fantasiou ali de Sérgio Moro.

A mídia brasileira virou uma imensa Veja.

O objetivo de Roberto Civita de derrubar o governo petista está na iminência de ser alcançado. Mas a um custo terrível. O estoque de credibilidade da mídia foi consumido inteiramente.

Credibilidade, como virgindade, é coisa que não se recupera. O público de esquerda e centro esquerda foi o primeiro a largar os veículos da grande mídia, a começar pela Veja. O mesmo caminho de debandada seria seguido pelo público de centro.

Sobrou a faixa personificada pelo advogado que recentemente se achou no direito de insultar Zé de Abreu num restaurante apenas por ele ser petista. É a direita tosca, ignorante, preconceituosa – os perfeitos idiotas brasileiros.

Não há jornal, revista, site ou o que for que consiga ser respeitado com este tipo de audiência desqualificada.

Isso quer dizer que Roberto Civita e seguidores ganharam no curso prazo, mas perderam irremediavelmente no longo.

É uma vitória que haverá de ser lamentada no futuro.