‘O jogador tem todas as virtudes de seu vício’: o olhar peculiar de Alexandre Dumas para o jogo. Por Camila Nogueira

Atualizado em 5 de julho de 2015 às 20:24

O escritor francês Alexandre Dumas consagrou-se com romances como O Conde de Monte Cristo Os Três Mosqueteiros. Menos conhecido é O Colar de Veludo, de 1850, livro ambientado na Revolução Francesa. O protagonista, o pintor e músico alemão Hoffmann, é viciado em jogos.  Extraímos de O Colar de Veludo as frases abaixo, que compõem mais um capítulo de nossa série Conversas com Escritores Mortos.

Monsieur Dumas, como o senhor define um jogador?

Reza lenda que o senhor de Bassompierre, a quem se anunciou no momento que começava a dançar com Maria de Médicis: “Sua mãe morreu”, respondeu “Nada disso. Minha mãe só morrerá depois dessa dança”. Afirmo com toda a convicção que o senhor de Bassompierre era um filho doce e piedoso ao lado de um jogador.

Como um jogador agiria no lugar do senhor de Bassompierre?

Um jogador em estado de jogo a quem se viesse anunciar alguma coisa assim nem mesmo responderia; primeiro, porque seria perder tempo. Depois, porque um jogador não possui coração enquanto joga.

Muito bem, esse é um defeito dos jogadores. Mas e suas virtudes?

O jogador tem todas as virtudes de seu vício – é sóbrio, paciente e infatigável. Um jogador que pudesse de repente desviar em proveito de uma paixão honesta, de um grande sentimento, a energia que põe a serviço do jogo, se transformaria instantaneamente em um dos maiores homens do mundo.

Como assim?

Nunca César, Aníbal ou Napoleão tiveram, enquanto executavam seus maiores feitos, uma força igual à do jogador mais obscuro.

O senhor tem ideia da razão pela qual as pessoas viciam no jogo?

O que transforma a paixão do jogo em uma paixão mais forte do que todsas as outras é que, jamais podendo ser satisfeita, jamais estagna. É como uma amante que sempre promete e jamais se entrega. Mata, mas não cansa. A paixão pelo jogo é a histeria do homem.

Quando está jogando, o jogador pensa apenas no jogo?

Para o jogador, tudo está morto e enterrado: família, amigos, pátria. Seu horizonte são suas cartas e a roleta. Sua pátria é a cadeira em que está sentado, o tapete verde no qual se apoia. Se ele fosse condenado à fogueira como São Lourenço e o deixassem jogar, não sentiria as chamas. E nem sequer se viraria.

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.