O jornalismo de guerra matou Geneton muito antes do aneurisma fatal. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 23 de agosto de 2016 às 21:31
Não foi feito para estes tempos no jornalismo
Não foi feito para estes tempos no jornalismo

Dos jornalistas que conheci em meus anos de Globo, entre 2006 e 2008, Geneton Moraes Neto foi quem mais me impressionou, pessoal e profissionalmente.

Geneton trabalhava no Fantástico, e detestava o que fazia.

Era de uma geração em que jornalistas de talento estavam nos jornais e nas revistas. Televisão era, para ele, uma mídia de segunda linha.

Ele dedicou um livro que escreveu a seus herois: Paulo Francis e Henfil, Ivan Lessa, Millôr Fernandes, Sérgio Augusto, Ziraldo, Jaguar, Fausto Wolff — o time que no Pasquim despertou sua “paixão pelo jornalismo”.

Ninguém da televisão entrou na lista de Geneton.

Houve um sentimento de simpatia instantânea de mim por ele, e ouso dizer que a recíproca foi verdadeira.

A mídia revista ainda não estava tecnicamente morta nos dias em que nos conhecemos. Concebemos, na editora Globo, uma “Revista do Fantástico”, da qual Geneton foi um dos maiores entusiastas.

Era sua chance de escrever mais, muito mais que as esquálidas linhas de textos de tevê.

A crise das revistas abortou o projeto depois de alguns números, mas nossas conversas não cessaram. Tentei levar Geneton para a Época, mas no meio das negociações me desentendi com auxiliares dos Marinhos e deixei a Globo.

Mantivemos contato, agora mais esgarçado. Seguiamo-nos no Twitter, e uma vez ele me avisou que eu grafara errado o nome de Ali Kamel num texto. Escrevi Kamell, com dois eles.

Pensei bastante em Geneton nos últimos tempos, desde que soube que ele sofrera um aneurisma que acabaria por matá-lo nesta semana, aos 60 anos.

O jornalismo de guerra da Globo, e não só dela, matou Geneton.

Desde que a mídia plutocrática começou sua campanha contra Lula, Dilma e o PT jornalistas como ele foram sendo encostados nas redações.

Não tinha serventia quem não fizesse o que os patrões desejavam. Geneton não foi o único esquecido. Foi um entre tantos. Mas foi um dos mais talentosos entre os excluídos.

Não era um jornalista para caçar vazamentos de procuradores com brutal interesse político. Não era um jornalista para manter aceso um caso abjeto a qualquer preço, como o Triplex de Lula.

Portanto, não servia mais para nada.

O jornalismo de guerra era e é para Merval, Kamel, Míriam Leitão, Sardenberg, Escosteguy.

É para alguém como Erick Bretas, que aceita colocar o avatar de Sergio Moro no seu Facebook e conclamar os seus seguidores a marchar pelo golpe.

Fora da Globo, é para Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi, Augusto Nunes e Marco Antônio Villa, entre tantos outros que ascenderam a postos de destaque na condição de fâmulos dos patrões.

Era um romântico do jornalismo, como mostra sua dedicatória aos caras do Pasquim. Sonhava melhorar o mundo, e não simplesmente defender do jeito que fosse os interesses e as causas dos barões da imprensa.

Numa homenagem tocante nas redes sociais,  Caetano Veloso tocou na essência de Geneton. “Geneton era um repórter adolescente quando o conheci. Gostei dele imediata e imensamente. Depois, fiquei tão impressionado com a honradez que ele demonstrou ao publicar nosso diálogo (eu tinha dito alguma coisa que soaria picante se fosse usada por um jornalista ordinário, e ele, tendo entendido o sentido respeitoso com que foi dito o que eu disse, nem publicou a frase arriscada), fiquei mesmo tão grato à sua grandeza que, para deixar para trás um período de dois anos em que me recusava a conceder entrevista a qualquer veículo da imprensa (muita agressão gratuita e muita inverdade oportunista se lia nas páginas dedicadas à música), escolhi falar com ele, e só com ele, para reiniciar um diálogo normal com a confusão dos cadernos B. A impressão que o garoto pernambucano me causara e a percepção de sua inteligência honesta só fizeram crescer ao longo dos anos. Se o jornalismo brasileiro tem algo de que se orgulhar, Geneton o representa melhor que ninguém – se não for exemplo único. Eu o adorava. Fiquei tristíssimo hoje ao saber que ele tinha morrido. Eu nem sabia que ele estava doente. Como disse Fernando Salem, essa é “a notícia que mata a notícia. Quando morre um verdadeiro jornalista a verdade fica triste.”

Pouco depois da Globo, a montagem do DCM me absorveu por completo, e nos distanciamos.

De vez em quando, imaginava como seria bom sentarmos numa mesa de bar e conversar sobre os descaminhos do jornalismo.

Mas era uma coisa complicada. Para pagar as contas, e por falta de alternativa profissional, ele permaneceu na Globo, na qual por razões óbvias sou persona non grata.

Ficou em mim a memória doce de um jornalista que reunia caráter e talento, um homem que não foi feito para estes tempos, uma vítima colateral do jornalismo de guerra que vigora no Brasil.