Para o pastor, o kit gay, a homossexualidade e o Saci Pererê são influências negativas
Abertamente gay, o blogueiro e, como ele mesmo diz, escritor-não-publicado Guy Franco é uma voz original. Seu enorme talento para a mordacidade pode ser apreciado em seu blog Canudos Coloridos, em que ele escreve sob seis heterônimos (meu preferido é a Júlia). Sua tira do personagem Sakamotinho é um clássico instantâneo. Guy escreveu sobre o famoso kit gay para o Diário. KIKO NOGUEIRA
O segundo turno das eleições municipais de São Paulo cheira mal. Resolveram exumar o kit anti-homofobia enterrado por Dilma ano passado por pressão dos que são carinhosamente chamados de bancada evangélica.
Em entrevista ao Estadão, Serra disse que o kit, criado pelo MEC na gestão de Haddad, estimularia a bissexualidade – coisa parecida disse Dilma quando determinou a suspensão do material.
Se a indignação causada pela declaração de Serra é maior, só posso concluir que esperam mais dele do que de Dilma; que de Dilma não é de se esperar grande coisa mesmo. Nem eu, nem você, nem o próprio Serra acreditamos que o material possa influenciar o comportamento sexual de ninguém. Tanto é que ele mesmo adotou um projeto parecido com o kit anti-homofobia em sua gestão como governador de São Paulo, conforme revelou a Folha de S. Paulo.
Homossexualidade não se aprende na escola nem se pega pelo ar. Aluno sai do ensino médio sem saber escrever direito, que dirá cantando If you like it, then you should put a ring on it, como Beyoncé.
Serra abandona a verdade, a sua própria verdade, em favor da eleição. Com isso atrai moscas, fungos e o pastor Silas Malafaia. O apoio de Silas Malafaia sempre chega a quem, em média, falou mais asneira durante uma campanha política. É o selo gospel de qualidade, para quem a homossexualidade e a figura do Saci Pererê são influências negativas.
Preocupadíssimo com a vida alheia, Silas Malafaia enxergou em Serra aquilo que está mais próximo de sua política de meter o dedo torto na intimidade dos outros. Ganhar os votos de evangélicos agora fica mais fácil para o candidato tucano, mas para isso é preciso se submeter à pauta preferida do pastor, o “kit gay”. Um assunto que estava morto e enterrado.
Dizem que se você falar três vezes “kit gay” na frente do espelho, Silas Malafaia aparece em pessoa para apoiar a sua candidatura. Os outros problemas da cidade? Ah, sim, os outros problemas da cidade…
Ironicamente, discutir o “kit gay” tira o foco da causa LGBT, que só é usada nas campanhas como instrumento para ganhar votos. Ou perdê-los. O combate à homofobia, a principal preocupação da comunidade, perde lugar para a troca de ataques entre os candidatos com os tais kits.
Os gays serem usados como massa de manobra de uma estratégia eleitoral reflete um pouco o fato de, nos últimos anos, terem se transformado em uma sigla. LGBT é a politização da comunidade gay. De repente você não é mais gay ou lésbica, e sim uma sigla, como um partido político. De repente você não é mais visto como um indivíduo, mas como uma classe da qual esperam alguma coerência ideológica. Tal qual um partido. LGBT, PSDB, PT.
A ideia de indivíduo é extravagante demais quando um candidato só consegue enxergar eleitores.