O legado de Umberto Eco. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 20 de fevereiro de 2016 às 13:19
Não será esquecido: Eco
Não será esquecido: Eco

O ano já começou mal para os amantes da música com a morte do ícone David Bowie. Ontem, 19 de fevereiro, pela manhã, foi noticiada a morte da romancista norteamericana Harper Lee, que escreveu O sol é para todos, adaptado para o cinema e vencedor do oscar de melhor roteiro adaptado em 1962. A obra já é consagrada na literatura estadunidense por tratar de temas como o preconceito e a injustiça racial.

No mesmo dia, à noite, ficamos sabendo do falecimento do escritor italiano Umberto Eco, aos 84 anos. Eco era de natureza multidisciplinar e, portanto, difícil de classificar: transitou da ficção à pesquisa linguística e semiótica, passando por ensaios e manuais acadêmicos – o seu Como se faz uma tese circula até hoje entre alunos de pós-graduação, apesar de um pouco obsoleto quando trata da maneira de fazer pesquisa acadêmica.

Em 2005, Eco foi eleito pela revista norteamericana Prospect o segundo maior intelectual vivo até então, precedido apenas por Noam Chomsky – também linguista e atuante ativista político.

Organizou as belíssimas edições de História da Beleza e História da Feiura, ricamente ilustradas com gravuras que exemplificam os ideais de beleza através dos séculos e das culturas, mostrando que o conceito do belo é algo relativo e socialmente construído.

Autor de best-sellers como O Nome da Rosa, um romance de detetive ambientado em um mosteiro e que gira em torno de uma obra desaparecida de Aristóteles, Eco agradou tanto as massas quanto os meios mais eruditos. Sua escrita pode ser leve, de humor fino, mas também traz reflexões nas entrelinhas. O Nome da Rosa pode ser lido tanto como um agradável suspense quanto como um grande ensaio acerca da natureza humana e do significado do riso.

O Cemitério de Praga, um de seus últimos romances, mostra a extensa pesquisa histórica que Eco realizou para compor uma obra de ficção em que todos os personagens são reais, com exceção do narrador, em uma trama repleta de conspirações, reviravoltas e sociedades secretas. Aliás, conspirações são um tema recorrente na obra ficcional de Eco, presentes também em O Pêndulo de Foucault e Número Zero, seu último romance, publicado em 2015.

Número Zero é um perfeito manual do mau jornalismo e resta extremamente atual: nos mostra como a mídia pode ser tendenciosa, fabricando notícias que sirvam aos interesses de seus financiadores. O jornal como instrumento de manipulação, com interesses próprios, sem o objetivo de informar, e sim de controlar a opinião pública de acordo com suas conveniências.

Não é preciso ir muito longe: temos exemplos bem recentes no jornalismo brasileiro.

Perdemos um símbolo e um dos escritores mais influentes do século XX e início do século XXI, mas a extensa obra de Eco está aí, para ser lida, apreciada, repensada e analisada. E que não o esqueçamos.