O Lula americano

Atualizado em 25 de março de 2012 às 8:40
Debs

 

Eugene Debs é o Lula americano: a maior figura do sindicalismo na história dos Estados Unidos. Bem mais cultivado intelectualmente, mas com um vôo bem menor na carreira política.

São de épocas diferentes, separados por mais de um século. Mas surgiram em circunstâncias semelhantes, em circunstâncias de intensa industrialização, Lula no ABC das montadoras na década de 1980, Dibs na Chicago da Gilden Age, Era Dourada. Assim ficou conhecido o final do século 19 em Chicago, um período em que a cidade se tornaria a maior potência industrial dos Estados Unidos.

O rápido avanço americano se expressava no crescimento extraordinário das ferrovias. Foi em torno da mais notável delas, a Pulman, que Debs apareceu para a história. Como presidente do Sindicato Ferroviário Americano, ele comandou a primeira greve nacional nos Estados Unidos, em 1897.

A greve surgiu, paradoxalmente, na corporação que era tida como modelo nas relações entre dono e empregados, a Pulman, de George Pulman, um inovador que saiu do nada para se tornar um dos homens mais ricos dos Estados Unidos.

Pulman deixou Nova York por Chicago, onde montou um negócio em que reformava trens usados. Logo percebeu que poderia ganhar muito dinheiro se construísse trens, em vez de apenas reformar. Os trens ainda eram precários nos Estados Unidos. Você levava três dias e meio para ir de Chicago a Nova York, em condições sofríveis. Pulman inventou o “Pioneer”, um trem dormitório que mudaria a história ferroviária americana. O “Pioneer” era o equivalente da primeira classe nos aviões de hoje, e caiu imediatamente no gosto da crescente classe de ricos dos Estados Unidos na Era Dourada.

Pulman construiu, para os funcionários da sua corporações, uma “cidade modelo”, amplamente admirada. Para a empreitada, chamou um dos maiores arquitetos da época. Um jornalista inglês a chamou de “oitava maravilha do mundo”. Os empregados pagavam aluguel para morar em Pulman, nos arredores de Chicago, numa situação aparentemente bem melhor do que a dos demais operários americanos.

Foi paradoxalmente na Pulman que o conflito começou. Numa crise econômica, George Pulman destruiu em pouco tempo tudo de que bom que construíra em sua relação com os funcionários. Demitiu em massa, reduziu os salários dos que ficaram e manteve nos mesmos níveis os aluguéis na cidade modelo. Para coroar, recusou conversar com os representantes dos trabalhadores insatisfeitos.

A Pulman entrou em greve – e recebeu a solidariedade do Sindicato Nacional dos Ferroviários. Foi então que Eugene Debs se agigantou. Em seu momento mais agudo, 150 000 operários americanos aderiram à paralisação. Os grevistas decidiram boicotar qualquer empresa ferroviária que tivesse um carro da Pulman. Chicago virtualmente parou.

O desfecho da greve foi trágico. Por ordem do presidente americano Grover Cleveland, o primeiro democrata na Casa Branca, soldados do exército foram usados para acabar com a greve – a tiros. Treze grevistas foram mortos, e dezenas feridos.

Soldados atacam os grevistas

Debs, um sonhador, um homem que imaginava que os homens poderiam se organizar numa grande e harmoniosa fraternidade em que empresas e empregados dariam as mãos, foi preso. Na prisão, se tornou socialista. “Vi a guerra de classes diante de mim quando os soldados atacaram os operários”, afirmaria ele depois. Para o New York Times, ali estava um “inimigo da espécie humana”.

A greve teria enorme repercussão em seus protagonistas.

O presidente Cleveland se desgataria de tal forma com o episódio que não tentou a reeleição.

George Pulman ficou de tal forma marcado pela greve que sua família mandou que se fortificasse espetacularmente seu túmulo com medo de que operários enraivecidos não violassem seu cadáver. Materiais como asfalto e aço foram usados em grande quantidade, e a segurança foi ainda reforçada com uma coluna coríntia.

O túmulo-fortaleza de George Pulman

Debs se tornaria um herói da classe operária. Foi cinco vezes candidato à presidência pelo Partido Socialista, a última delas atrás das grades. Num tributo a ele em sua morte, em 1926, um ativista disse que Dibs fazia o milagre de você acreditar – de fato – que era possível uma enorme fraternidade.