O manual do canalha. Por Nathali Macedo

Ele provavelmente virá com um semblante ótimo: bem vestido, com uma cara de bom moço e um discurso de cidadão de bem – um parêntese: morro de medo dos cidadãos de bem desta geração.

Ele terá fotos com crianças, um sorriso alvo, um cachorro (de raça) adorável e um discurso totalmente moral – outro parêntese: morro de medo da moral desta geração.

Ele frequentará a igreja e defenderá os valores cristãos que provavelmente não conhece e a cada dez palavras pelo menos cinco serão Deus, Jesus ou o papa. Ele terá um discurso anti-drogas mas beberá wiskey cawboy toda sexta e terá uma cartela de rivotril na cabeceira. Ele dirá que até respeita as relações homoafetivas mas isso é contra o que a bíblia fala (para esconder o seu ódio intragável por qualquer não-hétero). Ele terá ressalvas para discutir sexualidade. Tudo o que ele disser a respeito servirá para que você pense que ele jamais foi capaz de fazer sexo selvagem sequer uma vez na vida.

Se você tiver estômago para se manter por perto, descobrirá mais rápido do que imagina que ele já faz um ménage a trois e se diverte vendo pornô lésbico na internet, mesmo que isso seja teoricamente condenado pela bíblia. Que ele dá chumbinho pro gato da vizinha na volta da missa. Que consegue sorrir olhando nos seus olhos e fazer uma piada maldosa a seu respeito no exato momento em que você vira as costas. Que, embora pregue aos quatro ventos o amor ao próximo, trata a atendente do restaurante mal e não cumprimenta a moça do cafezinho.

E que ele dá o dízimo religiosamente mas acha que crianças vendem balas no sinal porque não se esforçaram o suficiente, que artistas são vagabundos e mulheres sexualmente livres não são dignas de respeito. Você descobrirá que ele encontra sua amante de dezoito anos na noite de sábado e entra de mãos dadas com a esposa na igreja no domingo. Que não sabe como explicar aos filhos que amor entre pessoas do mesmo sexo também é amor, mas consegue ensiná-los sutilmente a se afastarem dos coleguinhas da favela. E então você perceberá o quanto a moral desta geração é suja, seletiva e intragável.

Sempre quis um tutorial que nos ensinasse como reconhecer um hipócrita, mas, no fundo, é bem simples: se ele usa a moral para justificar a coisa mais imoral de todas que é não aceitar as pessoas tais quais elas são – com suas escolhas e suas ideologias – ele é um hipócrita.

Na próxima vez que encontrar alguém assim, acene, sorria e corra o mais rápido que conseguir.

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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