O melhor da literatura erótica. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 9 de setembro de 2016 às 16:28
Cena do filme Il Decameron (1971), de Pier Paolo Pasolini
Cena do filme Il Decameron (1971), de Pier Paolo Pasolini

Em tempos em que romances como Cinquenta tons de cinza inundam as prateleiras das livrarias e as estantes das casas, há que observar a necessidade não nos esquecermos da verdadeira função da literatura.

Mais que a linguagem transposta na escrita, independente da história que conta, ou mesmo não contando nenhuma, o jogo com a linguagem pode ser fascinante: a literatura desperta emoções, provoca reflexões, enseja uma profunda perturbação na alma, como toda obra de arte.

Como bem argumenta Roland Barthes na sua palestra Aula, a literatura é o poder que possuímos para transgredir a norma. “A língua (…) não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer.” A única maneira de escapar desse fascismo é trapaceando com a língua, trapaceando a língua. “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”.

Já para o filósofo Derrida, a literatura “é a coisa mais interessante do mundo, talvez mais interessante que o mundo, e isso é porque ela não tem definição, o que é anunciado e recusado debaixo do nome de literatura não pode ser identificado com qualquer outro discurso”.

É essa contravenção que separa a literatura da linguagem comum: a possibilidade de (re)inventar mundos, histórias e pensamentos.

O erotismo, embora para muitos uma temática vulgar, inferior ou indigna da arte, pode, sim, ser representado de forma lírica, meditativa ou ser simplesmente sentido em suas diversas nuances.

Selecionamos uma lista de dez obras literárias que vão desde a poesia à prosa, passando pelos quadrinhos, do século XIV aos dias atuais, de escritoras e escritores, brasileiros e estrangeiros, que expressam o erotismo em suas variadas e infinitas dimensões.

Decamerão (Boccaccio)

A palavra decamerão significa dez jornadas. O romance, escrito na metade do século XIV, reúne cem novelas narradas por dez jovens (sete moças e três rapazes) que, para fugir da peste negra que toma conta da cidade de Florença, escondem-se na floresta e se propõem a contar uma história cada um, durante dez dias. O livro rompe de certo modo com a moral medieval, pois traz histórias de paixões não só espirituais, mas também carnais.

A filosofia na alcova (Marquês de Sade)

Referência na literatura erótica, o escritor francês Marquês de Sade deu origem à expressão sadismo – o prazer provocado pelo sofrimento alheio. O romance em forma de diálogos, publicado clandestinamente no século XVIII, se passa dentro de um quarto e trata da educação sexual de uma jovem de 15 anos. Nesse livro, a mulher é apresentada como igual ao homem no que se refere à liberdade e ação e ao poder que cada um possui sobre seu próprio corpo.

Fanny Hill – Memórias e uma mulher de prazer (John Cleland)

Também publicado ao final do século XVIII, mas na Inglaterra, Fanny Hill é a história de uma cortesã feliz e bem-sucedida: a protagonista narra, através de missivas, sua próspera trajetória sexual. O estilo de John Cleland é elegante e ao mesmo tempo irônico. A publicação da obra ocasionou a prisão de Cleland, acusado de obscenidade.

Delta de Vênus (Anaïs Nin)

Publicados postumamente, apenas na década de 1970, os quinze contos que compõem Delta de Vênus foram escritos por volta de 1940, encomendados por um cliente secreto. Anaïs Nin foi uma das primeiras mulheres a explorar a temática do erotismo na escrita. As histórias apresentam mulheres que se aventuram no sexo casual, prostitutas e triângulos amorosos. “O erotismo é uma das bases do conhecimento de nós próprios, tão indispensável quanto a poesia”, diz a escritora.

Que seja em segredo (Organização de Ana Miranda)

A escritora Ana Miranda pesquisou e reuniu uma série de poemas escritos nos conventos brasileiros e portugueses nos séculos XVI e XVII. Na época, a vocação religiosa não era a única razão para se enclausurar em um convento: escândalos e rebeldia também encarceravam. Consequentemente, muitas freiras e padres dedicaram-se a casos amorosos, platônicos e consumados, muitos dos quais traduzidos em forma de poemas nesse pequeno livro.

Elogio da madrasta (Mario Vargas Llosa)

Elogio da madrasta, do escritor peruano vencedor do prêmio Nobel de literatura, é constantemente comparado ao romance Lolita, porém de um modo invertido: aqui, é uma mulher quarentona, Dona Lucrecia, que terá um tórrido caso com seu enteado, o rapazinho Fonchito. Dono de uma prosa surpreendentemente cínica, Mario Vargas Llosa nos faz rir e saborear cada capítulo dessa divertida novela.

A casa dos budas ditosos (João Ubaldo Ribeiro)

O livro apresenta-se como o relato verídico de uma senhora de 68 anos, baiana, relatando sua própria vida, devassa e libertina, recheada de experiências sexuais. O romance faz parte da Coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva, sendo este o da luxúria. Foi adaptado para o teatro em um monólogo na pele da atriz Fernanda Torres.

O amor natural (Carlos Drummond de Andrade)

Essa coletânea de poemas eróticos de um dos maiores escritores brasileiros só foi publicada após a morte de Drummond, muito embora tenha circulado antes entre leitores próximos ao autor. Estes poemas em nada são inferiores ao resto da obra “oficial” de Drummond, que soube, como sempre, brincar com a língua. (A língua lambe as pétalas vermelhas / da rosa pluriaberta; a língua lavra / certo oculto botão, e vai tecendo / lépidas variações de leves ritmos. / E lambe, lambilonga, lambilenta, / a licorina gruta cabeluda, / e, quanto mais lambente, mais ativa, / atinge o céu do céu, entre gemidos)

Poesia vaginal – Cem sonnettos sacanas (Glauco Mattoso)

Glauco Mattoso é um dos mais importantes poetas brasileiros contemporâneos. Cego, seu nome faz referência à doença que o acometeu (glaucoma). Glauco Mattoso renovou o soneto, de forma fixa e tradicional, alterando o seu conteúdo. O poeta é um recordista, tendo escrito mais de 2300 sonetos. Numa referência a Vinicius de Morais, que escreveu o Soneto de fidelidade, Glauco Mattoso diz que seus sonetos são de “fodelidade”.

Primeiras vezes (Sibylline)

Dez histórias escritas pela francesa Sibylline e ilustradas por dez quadrinistas diferentes contam, em quadrinhos, os tipos de primeiras vezes, sob uma perspectiva feminina: a primeira vez que se usa uma fantasia, o primeiro ménage, o primeiro swing, a primeira experiência sadomasoquista, entre outras.