O mês do desgosto para os tucanos. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 28 de abril de 2018 às 21:30
Nos bons tempos

POR MIGUEL ENRIQUEZ

Surpreendentemente agosto, o mês do desgosto, chegou com inesperada antecipação para os tucanos. Em abril, o conteúdo aziago do mês, que na política brasileira é lembrado pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954, e pela renúncia de Jânio Quadros, em 1961, caiu sobre as cabeças de dois de seus mais emplumados representantes, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin e seu irmão-inimigo, o senador por Minas Gerais Aécio Neves.

Em comum, além da descomunal ambição política, ambos partilham a dolorida experiência de serem derrotados em eleições para a presidência da República por candidatos do PT. Alckmin, e para Lula, em 2006; Aécio, de forma mais apertada, para Dilma, em 2014.

Por caprichos do destino, as más notícias se concentraram na segunda quinzena de abril, mais particularmente no dia 20. Já no café da manhã, o noticiário do dia reservava petardos em série  aos dois expoentes do partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Alckmin, que dias antes se desincompatibilizara do cargo de governador de São Paulo e perdera o foro privilegiado, soube que o sempre tão gentil Ministério Público paulista resolvera abrir um inquérito para investigá-lo por suspeita de improbidade administrativa, num caso de caixa dois no valor de mais de R$ 10 milhões, supostamente praticado na boa companhia de seu cunhado Adhemar Cesar Ribeiro e do secretário de Planejamento e Desenvolvimento de São Paulo Marcos Monteiro.

Para quem pretende apresentar-se como uma vestal no lupanar em que se transformou a política brasileira e anda marcando passo nas pesquisas eleitorais, além de enfrentar dificuldades sérias para formalizar uma coalização que o apoie, trata-se, sem dúvida, de uma péssima notícia. Segundo delatores da Odebrecht, uma espécie de Dream Team da corrupção corporativa no País, Alckmin, também conhecido respeitosamente como Santo em suas planilhas, teria recebido os recursos não declarados nas campanhas para o governo paulista em 2010 e 2014, operacionalizados por Ribeiro e Monteiro.

Embora graves, as acusações contra Alckmin, que certamente serão devidamente explorada por seus contendores na corrida presidencial, perdem em potencial explosivo  para as que caíram no colo de Aécio. Foram quatro faltas graves, o que já lhe poderia garantir um pedido de música no Fantástico e guardar uma ficha para uma outra rodada.

Primeiro, foi a denúncia feita pelo deputado Osmar Serraglio (PP-PR), de que, no meteórico período em que ocupou o Ministério da Justiça do governo Temer, o senador mineiro o pressionara para que nomeasse um delegado amigo para matar no peito ( alguém já usou essa expressão há algum tempo, não ?) os eventuais contratempos com a turma da Lava Jato que se anunciavam no horizonte.

Para variar, Aécio, como bom moço que é, jura até pela alma do finado avô que tudo não passa da mais sórdida armação- só uma mente doentia poderia cogitar que o herdeiro de Tancredo Neves fosse capaz de uma coisa dessas. Detalhe: a afirmação de Serraglio aconteceu numa sessão da Câmara dos Deputados, na terça feira, 17, mesmíssimo dia em que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu tornar Aécio réu na ação que o acusa de corrupção e obstrução de Justiça, por ter recebido R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista e tentar obstruir as investigações da Lava Jato.

Não por acaso, uma das peças que levou à decisão do STF reforça a denúncia de Serraglio. Trata-se de uma das passagens mais abjetas da conversa mantida por Aécio e Joesley, grampeada pelo mandachuva da JBS, no dia 24 de março do ano passado, no Hotel Unique, em São Paulo, e divulgado em 17 de maio.

Nada melhor para refrescar a memória do ultrajado senador que a transcrição de um trecho do edificante diálogo reproduzido pelo jornal Valor Econômico: “Aécio então reclama da nomeação do Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, a quem ele chama de “um bosta de um caralho”. O senador queria mudanças na Polícia Federal. Joesley – Esse é bom? Aécio – Tá na cadeira (…). O ministro é um bosta de um caralho, que não dá um alô, peba, está passando mal de saúde pede pra sair. Michel tá doido. Veio só eu e ele ontem de São Paulo, mandou um cara lá no Osmar Serraglio, porque ele errou de novo de nomear essa porra desse (…). Porque aí mexia na PF. O que que vai acontecer agora? Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2.000 delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né?, do Moreira, que interessa a ele vai pro João. Joesley – Pro João. Aécio – É. O Aécio vai pro Zé (…)

Mas a sexta feira, 20, reservava mais fortes emoções para Aécio. Duas delas por conta de Joesley, sempre ele, Batista, como costumava referir-se a outro portador do sobrenome, o Eike, do finado grupo EBX, ia o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo.

Uma, a mais singela, era a informação dada pelo empresário de que a JBS pagou durante uma mesada de R$ 50 mil ao senador para o “custeio mensal de suas despesas”, disfarçada de publicidade veiculada pela Rádio Arco Íris, de Belo Horizonte afiliada à rede Jovem Pan, de São Paulo. Aécio retruca dizendo que era uma operação comercial normal. Talvez haja quem acredite.

Para comprovar o que estava dizendo, Joesley apresentou à Procuradoria Geral da República 16 recibos, o que totaliza R$ 800 mil, no período. Como se verá, pouco mais do que um pixuleco diante do que viria pela frente.

Segundo o dono da JBS, seu grupo repassou nada menos de R$ 110 milhões a Aécio na campanha presidencial de 2014, em troca do apoio aos negócios da JBS. Esse valor teria sido dividido entre o PSDB, que ficou com R$ 64 milhões, o PTB, do ínclito Roberto Jefferson, que embolsou R$ 20 milhões, e o Solidariedade, do dublê de deputado e sindicalista Paulinho da Força, a quem coube R$ 11 milhões. O restante foi distribuído entre candidatos indicados pelo PSDB, que apoiavam a candidatura de Aécio.

No entanto, sempre de acordo com o delator Joesley, a montanha de dinheiro, foi insuficiente para saciar o Senador. A título de pagamento das dívidas de campanha, ele novamente procurou o amigão em busca de mais R$ 18 milhões. A transação foi coberta mediante a compra superfaturada do antigo prédio do Hoje em Dia, um pasquim de Belo Horizonte que apoiou a candidatura presidencial de Aécio.

Infelizmente, o tormento do candidato  que prometia varrer a corrupção no Brasil teve mais um severo golpe antes da Hora do Angelus, no final daquela sexta feira.  Contrariando o dito do falecido escritor Oto Lara Rezende de que “mineiro só é solidário no câncer”, coube à Andrade Gutierrez aplicar mais um golpe no já abalado Aécio, ao admitir que também deu uma força e tanto para o conterrâneo.

Em depoimento à Polícia Federal, o empresário Sérgio Andrade, um dos controladores da empreiteira, confirmou que repassara R$ 35 milhões em propinas a Aécio, por intermédio de uma empresa de fachada de seu compadre Alexandre Accioly, companheiro de noitadas pelas noites do Rio de Janeiro.

O dinheiro ilícito foi a parte que coube à AG em um rachuncho de R$ 50 milhões com a Odebrecht em favor de Aécio. Em troca, as duas empreiteiras ficariam bem na foto nos negócios com a estatal mineira Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) e com Furnas, do governo federal, controladoras da usina de Santo Antônio, em Rondônia, caso Aécio Neves derrotasse Dilma nas urnas.

Não derrotou e manchou indelevelmente sua biografia, para decepção de tanta gente boa que, depois da derrota para a petista, exibia jubilosamente, diante das dificuldades de seu governo, camisetas estampadas com a inscrição “Eu votei no Aécio”. Dificilmente votarão nele de novo tão cedo. Suas pretensões presidenciais estão enterradas.  É muito provável que ele nem sequer se atreva a tentar uma reeleição no Senado. Em seu partido, Aécio passou a ser visto como um fardo incômodo, como uma espécie de pária. Como disseram alguns dirigentes tucanos ouvido pelo O Globo: “O assunto Aécio está encerrado, ele não vai ser candidato. É chutar cachorro morto, politicamente acabou.”

Pelo lado de Alckmin, embora não seja tão dramática, a situação também é preocupante, não apenas pela denúncia do Ministério Público de São Paulo e por sua pouca expressão em termos de intenção de votos escancarada pelas pesquisas.

Como lembra a jornalista Teresa Cruvinel, do Jornal do Brasil, ao açodadamente ter exortado Aécio a ficar de fora das eleições deste ano, até mesmo para a Câmara dos deputados, por ter virado réu no STF, para não prejudicar sua campanha à presidência, Alckmin pode ter dado um tiro no pé. “O troco pode ser uma barreira contra a entrada de Alckmin em Minas, o que seria fatal por quem já é refugado pelo Nordeste”, escreveu Cruvinel.

Não custa lembrar que, descontente por ter sido preterido pelo PSDB na corrida presidencial de 2006, Aécio boicotou o ex-governador paulista quando este enfrentou Lula e o tucano mineiro disputava a reeleição ao governo de seu Estado. Quem não se lembra da dobradinha Lulécio, estimulada por Aécio para reeleger-se e, ao mesmo tempo, derrotar Alckmin, que conseguiu a proeza de obter uma votação no segundo turno inferior à que obtivera no primeiro?

Digno de nota nesse agosto antecipado e turbulento para o Tucanistão, foi a redescoberta, por parte de seus acólitos na imprensa, das virtudes da presunção de inocência. Diante da profusão de acusações e situações comprometedoras que vieram à torna, passaram a questionar a legitimidade das delações feitas à Justiça contra os próceres enrolados do PSDB e defender  a necessidade de que as denúncias sejam devidamente confirmadas com provas robustas.

Não por acaso, esse súbito surto legalista dos bocas e penas alugadas da mídia guarda íntima relação com a condescendência com que o presidente de honra do PSDB Fernando Henrique Cardoso avaliou a decisão da Primeira Turma do STF de tornar o “Mineirinho” das planilhas da Odebrecht réu por corrupção e obstrução de Justiça. “No caso do Aécio, a citação diz respeito ao que se deu na vida privada”, afirmou FHC, que também aliviou a  barra de Alckmin, por este estar envolvido no que considera um mero caso de caixa dois. “No caso do Aécio, pegou dinheiro emprestado.” 

Normal, normalíssimo pegar R$ 2 milhões em espécie, recebidos em operações furtivas, filmadas pela PF, de preferência por intermédio de um mensageiros descartável. “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer a delação”, pontificou Aécio, como mostra o grampo pilotado por Joesley. 

Em tempo: em abril, também sobrou para o senador paulista José Serra, em abril. Em depoimento à PF, o empresário e ex-deputado federal tucano pelo Rio de Janeiro Ronaldo Cesar Coelho (irmão do ex-árbitro e comentarista da Globo, Arnaldo Cesar Coelho) confirmou ter recebido cerca de 6,5 milhões de euros em uma conta na Suíça. Equivalente a R$ 27 milhões, o dinheiro, que teria sido recebido em função de um suposto esquema de corrupção nas obras do Trecho Sul do Rodoanel, em São Paulo, foi empregado no pagamento de um avião entre 2009 e 2010, durante a campanha de Serra à presidência da República.