O mico milionário do Lollapalooza

Atualizado em 1 de abril de 2013 às 20:44

Desorganização, filas para tudo, ingressos a preços absurdos… A receita do Lollapalooza e a balela do rock “alternativo”.

 

Na lama
Na lama

 

O festival Lollapalooza, encerrado ontem, levou, segundo a organização, 167 mil pessoas ao Jockey Club de São Paulo. Em três dias, elas viram bandas como Pearl Jam, Killers, Black Keys, Queens of the Stone Age, Franz Ferdinand, Planet Hemp, Flaming Lips, Foals etc.

Essas mesmas pessoas também pagaram um mico sensacional: filas para comprar entradas, fila para entrar, para ir ao banheiro, para comprar comida e cerveja. Sem contar a lama, que vá lá, pode ser debitada em outra fatura. Tudo por 350 reais por dia. É um dos festivais mais caros do mundo.

350 para quê? A desorganização e a informalidade imperam. Perry Farrell, o criador do Lolla, chegou a ser barrado por engano. Os moradores das casas próximas ao Jockey, no Morumbi, ganham ingressos, à guisa de um calaboca para evitar reclamações. Gente que pagou meia-entrada, fingindo que era estudante, não precisou mostrar a carteirinha na bilheteria. A GEO, empresa de produção de eventos que se associou a Farrell, pertence à Globo. Quando a procura pelos ingressos ameaçava arrefecer no ritmo dos shows de Lady Gaga e Madonna (em que tíquetes foram distribuídos na faixa), a cobertura da emissora se intensificou.

Farrell falou sobre esses problemas à revista Rolling Stone. “Para ser sincero, foi por isso que o Lollapalooza desapareceu por uns três ou quatro anos. É preciso encontrar um modo para que as pessoas consigam comprar as entradas e possamos pagar esses cachês monstruosos. Eu gostaria de dizer que não são os artistas, são os empresários – mas são os artistas também. Os artistas poderiam dizer ‘não explorem tanto assim’. Mas não o fazem, na maior parte do tempo não o fazem. Claro que eles não o fazem porque é assim que eles se sustentam hoje, não é vendendo discos. A vida deles é baseada, equilibrada, no Lollapalooza, Glastonbury, Reading… Então, como fazer?”

 

Farrell, o dono do Lolla: "Os artistas poderiam dizer ‘não explorem tanto assim’"
Farrell, o dono do Lolla: “Os artistas poderiam dizer ‘não explorem tanto assim’”

 

Divulgou-se que o cachê total dos artistas chegou a 25 milhões de reais. No ano passado, o Foo Fighters recebeu 700 mil reais. Calcula-se que o mesmo foi desembolsado para ter o Pearl Jam neste ano. O líder do Pearl Jam, o engajadíssimo Eddie Vedder, proibiu o Multishow de transmitir o show.

O primeiro Lollapalooza é de 1991. A ideia de Farrell era comemorar a despedida de sua banda, Jane’s Addiction. Deu tão certo que o grupo não se dissolveu e ele acabou tirando da cartola essa empresa bem sucedida. Se, no início, o festival era voltado à música alternativa ou independente, hoje quem acredita nisso acredita também no coelho da Páscoa e em Marco Feliciano. Farrell, que gosta de se definir como ambientalista e chegou a se reunir com Tony Blair para falar do aquecimento global, culpa o capitalismo. “É um mundo fodido, meu filho”, disse à Rolling Stone. “O lado ruim é que dá origem a corrupção e ganância”.

Faz algum tempo que o rock é uma indústria como qualquer outra – só que em crise. O filme que capturou os últimos lampejos de “pureza” é Quase Famosos, passado em meados dos anos 70. A certa altura, a mãe do protagonista, um jovem jornalista musical, diz: “A adolescência é uma ferramenta de marketing”.

O Lollapalooza poderia cobrar o que fosse, desde que entregasse a mercadoria. Farrell saiu com seus milhões. Se a coisa engatar, volta no ano que vem. Agora, por 350 reais, como diz um amigo, você deveria ter o direito não apenas de participar de um festival organizado, mas de ganhar uma massagem de Perry Farrell.

Pensando bem, melhor não.