O mimimi em torno da ovada, protesto em voga há séculos nas maiores democracias do mundo. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 9 de agosto de 2017 às 9:35
Arnold Schwarzenegger leva uma ovada em 2003, durante campanha

João Doria reclamou das ovadas que recebeu em Salvador.

“Eu jamais vou agredir o presidente Lula, jamais vou jogar ovos no presidente Lula ou vou estimular as pessoas que façam isso. Ao contrário, acho que tem que ter uma atitude respeitosa e de convivência”, diz o sujeito que xinga seu inimigo de “cara de pau”, “mentiroso”, “bandido” etc diariamente.

Esse mimimi foi secundado por muita gente boa (e muita gente ruim).

O blogueiro Leonardo Sakamoto, conforme o esperado, simulou aquela velha e equivocada superioridade moral da turma do deixa disso.

“Entendo a indignação popular, mas não concordo com esse tipo de ataque”, escreveu em sua coluna.

Depois de lembrar que “ovo é vida” (!?!), acrescentou que “esse tipo de agressão fere mais do que a testa de alguém, atinge em cheio princípios democráticos e republicanos.”

No mundo dos sakamotos, ovadas são atentados gravíssimos e ferem testas.

O sermão sem sentido, uma variação da eterna condenação idiota do “fla flu”, faz você sentir simpatia pela hipocrisia de Doria, que é mais sincera. A sorte é que passa rápido.

A Superinteressante fez uma matéria sobre a história desse gênero de protesto político.

(1) O mais antigo antecedente conhecido da prática seguiu o mesmo espírito, mas não a mesma receita. Em 63 d.C., Vespasiano – que na época era governador dos atuais territórios da Líbia e da Tunísia – foi atingido por grandes quantidades de uma planta crucífera de raiz tuberosa e folhas comestíveis que, em português, atende pelo nome de… nabo. É, nabo.

(2) Os ovos, menos doloridos e consideravelmente mais humilhantes, se tornaram hábito na Idade Média. Nos vilarejos da época, ladrões de objetos de pouca importância eram sentenciados a um pequeno período no estábulo – onde, além de dividir espaço com vacas e porcos, eram bombardeados por ovos e tomates velhos fornecidos por moradores revoltados.

(3) Na segunda metade do século 16, enquanto a extração de pau-brasil ocorria a todo o vapor deste lado do Atlântico, o público das peças de teatro renascentistas britânicas – que você conhece graças a Shakespeare – adotou o ovo podre como forma de protesto contra atuações ruins.

“Isso é arte, não política”, você dirá com razão. Mas é graças a aplicações como essa que o lançamento de ovos se tornou uma tradição anglo-saxã – em países latinos, jogar comida nos outros às vezes é um ato amigável (vide a tradicional “batalha” de laranjas na cidade italiana de Ivrea). Na Grécia, o arremesso de iogurte é uma pedida mais comum. Na Ucrânia, lembra o The Guardian, a embaixada russa já amanheceu com ornamentos de macarrão instantâneo.

(4) Cinco séculos se passaram e a tradição da ovada prosperou – foi inclusive importada para as Treze Colônias, nome dos territórios que dariam origem aos EUA. Em tempos contemporâneos, Margaret Thatcher, David Cameron, Ruth Kelly, Arnold Schwarzenegger (sim, o exterminador), Nick Griffin e Simon Cowell foram só alguns dos nomes da política anglófona que viraram – para citar Adoniram Barbosa – “tauba de tiro ao álvaro“.

(5) Na política brasileira atual, há poucas coisas tão democráticas quanto a ovada. Invólucros de cálcio com gema e sem pintinho atingiram o governador de São Paulo Mário Covas (PSDB) em 1999, e deram rasantes perigosos na prefeita de São Paulo Marta Suplicy (na época, do PT) em 2004. Nem o famigerado Paulo Maluf (PP) escapou: sua vez chegou em 2001.

Ou seja, é antigo, eficiente, está em uso nas maiores democracias do planeta e não vai sair de moda.

Doria, na verdade, tem que se dar por satisfeito.

Circula nas redes sociais que ele pode ser recebido nas próximas cidades do Nordeste com um material bem mais malcheiroso.