O Ministério Público da Paraíba e o professor Agassiz. Por Lenio Streck

Atualizado em 26 de outubro de 2020 às 10:37
Justiça. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no site Consultor Jurídico (ConJur)

POR LENIO STRECK

Algo inédito está acontecendo na Paraíba. A Constituição já é balzaquiana. Portanto, já se é bem grandinho aos 32 anos — falo não só da CF, como do Ministério Público. Ou não, porque, por exemplo, lá na Paraíba os membros do MP convocaram uma assembleia geral para ver se processam o advogado e professor Agassiz Almeida Filho por ter tido a ousadia de criticar a “lava jato” e derivativa paraibana. Há uma convocação para uma Assembleia Geral com esse objetivo: processar o professor.

Consta que o professor Agassiz, dono de um vasto currículo, criticou a instituição. O conteúdo da crítica está na própria convocação — a matéria está em todos os veículos e nas redes sociais. Fácil acesso. Uma das manchetes é: Associação do MP convoca todos os promotores da Paraíba para processar professor crítico da Lava Jato”. Fato inédito. Se a moda pega…

Pelo andar da carruagem, os críticos dos métodos da “lava jato” e da força-tarefa do MP na “lava jato” devem ficar atentos. O próximo a ser processado deverá ser o ministro Gilmar, depois JJ. Gomes Canotilho, Luigi Ferrajoli, Kakay, eu mesmo (ver artigo, entre tantos, que escrevi no ano passado, retrasado e em 2020)… E a lista é grande.

Aliás, todo o Grupo Prerrogativas, que escreveu “O Livro das Suspeições” (baixar grátis clicando aqui — são já mais de 400 mil downloads — best seller), deve estar na lista para ser processado pelo MP paraibano.

Pelo visto, serão milhares de réus. E também deverá ser processado o senador Anastasia por causa do projeto Anastasia-Streck. E o deputado federal Glaustin Fokus, que propôs projeto semelhante. Porque o projeto ousa dar, como na Alemanha e em outros países, o dever de imparcialidade ao Ministério Público. Aliás, como consta no Estatuto de Roma.

Bom, nessa linha, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deverá ser processado pelo MP-PB. Porque as críticas dele à “lava jato” e à força-tarefa do MPF são públicas e notórias.

Vamos falar a sério e levar os direitos a sério, diria Dworkin. Um bom lema! As lavas do Vesúvio descem com toda a fúria e o Ministério Público da Paraíba preocupado em arrumar o quadro de Van Gogh na parede.

Sigo. O Ministério Público foi fundamental na minha vida. Trabalhei por 28 anos. Com muito amor à causa. Lutei por prerrogativas. No cotidiano do exercício e no Parlamento em grupos de pressão. Estive na linha de frente pelo poder investigatório do MP, o que é sabido por todos (com muita honra, sou detentor de medalhas institucionais por serviços prestados). Fui membro eleito do Conselho Superior do Ministério Público e, por três mandatos, eleito para o Órgão Especial do Colégio de Procuradores, órgão máximo do MP.

Como promotor e procurador, busquei seguir o lema de Alfredo Valadão (aliás, recitei Valadão na minha prova oral): “MP como fiscal de ilegalidades, vindas de onde viessem”.

Permito-me uma indiscrição: Era voz corrente que se até Lenio Streck pedia uma condenação, então era porque esse réu tinha poucas chances. E por quê? Porque o procurador de Justiça Lenio Streck só pleiteava condenação depois de espiolhar todas as ilegalidades. Fator Valadão. E examinar amiúde as provas, longe da ficção da “verdade real” e crendices desse jaez. E, importante, o membro do MP Lenio Streck não fazia agir estratégico. Era imparcial. Quantas teses garantidoras saíram de meu gabinete? Só para citar uma: quando nem lei havia, eu já pleiteava a anulação de todos os interrogatórios sem a presença efetiva de um advogado.

Portanto, posso falar sobre essa temática. Posso falar sobre “o que é criticar”. E o que é “sofrer críticas”. E o que é democracia.

O que quero dizer é que, em vez de o Ministério Público (parte dele, sem generalizar, por óbvio — afinal conheço bem a instituição e sei separar o joio do trigo) cuidar de sua missão constitucional — que é bela, fruto de muita luta, inclusive minha —, fica preocupado em processar professores por “crime de hermenêutica”. O objetivo é intimidar os críticos? Parece que sim, pois não?

Deve ser um crime hediondo ousar fazer críticas a uma operação em que, v.g., a força-tarefa em Curitiba, confessadamente, assumiu um lado na eleição de 2018 (a favor de Bolsonaro), conforme declaração do ex-chefe Carlos Lima à GloboNews. Episódio sobre o qual já escrevi várias vezes, cujo relato está no “Livro das Suspeições”. Aliás, consta que o professor Agassiz disse que os atos de alguns membros do MP estariam influenciando o processo político eleitoral. Pois é. Quem sabe bem disso é o ex-procurador Carlos Lima. Os diálogos do Intercept mostram bem o que é política e o manejo da opinião pública. O chefe da “lava jato” de Curitiba, o então juiz Moro, sabe bem o que interferir na política… Bem, tudo isso é sabido de todos. A propósito, pergunte-se a Beto Richa, de quem uma operação no Paraná — suspensa pelo STF — tirou a eleição (também escrevi sobre isso). Aliás, o que disse o CNMP sobre Deltan, no caso em que houve a prescrição — o do Power Point?

Enfim, como falei, 32 anos já deveria ser uma idade madura.