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O miserável legado editorial de Roberto Civita. Por Paulo Nogueira

RC em 72, ao se iniciar na Veja

Leio, na carta ao leitor da Veja, que está prestes a sair a biografia de Roberto Civita. Chama-se O Dono da Banca, e foi escrita pelo jornalista Carlos Maranhão, um dos melhores textos da imprensa brasileira e titular de uma carreira de 40 anos na Abril.

Está em fase de precompra na Amazon. Encomendei meu exemplar. Embora um oceano de divergências ideológicas nos separasse, tive com RC momentos de incrível e inesquecível camaradagem em meu tempo de Abril.

Tenho guardados os célebres bilhetinhos, primeiro escritos à mão e depois digitados, em que ele me chamava de Paulíssimo.

Não era um editor, não era um jornalista. Tinha terrível dificuldade em escrever mesmo um texto de poucas linhas. Era confuso, o que explica muitas das desastrosas decisões de negócios que tomou na Abril depois da morte de seu pai Victor Civita, este sim um empreendedor dotado de imenso pragmatismo — característica essencial num empresário.

Mas era um homem adorável. Charmoso, espirituoso, capaz de entreter com suas histórias grupos de executivos da Abril, com seu português carregado de um sotaque invencível trazido de seus anos de Nova York. Sempre permeava suas frases com palavras inglesas. Posso ouvi-lo agora mesmo usar a expressão “o internet”, acento no “in”. Nunca “a internet”.

Estas memórias me vieram depois que li a Carta do Editor da Veja. Nela, além de anunciar a biografia, o autor fala do legado editorial de RC.

Aí começam os problemas. O editor diz que a revista encomendou a resenha do livro a Dora Kramer. Seria parte da herança jornalística de RC: para evitar “conflitos de interesses”, certas críticas devem ser confiadas a jornalistas de fora.

Antes de discutir isso, registro que Kramer foi uma escolha perfeita. RC considerava-a a maior comentarista político do país, outra de suas opiniões com a qual jamais concordei. Mas ele a admirava intensamente, e é isso que importa na escolha dela para a resenha publicada na edição deste final de semana.

O único problema é que RC não tinha a crença editorial que lhe é atribuída.

Para ficar num caso exemplar, sob sua jurisdição a Veja publicou uma enorme crítica de um romance de seu então redator chefe Mario Sabino.

A encomenda foi passada a um subordinado de Sabino, Carlos Graieb. O texto, enorme, deu a Sabino o tratamento de um gênio literário. Graieb chegou a comparar seu chefe a Machado de Assis.

Roberto Civita dirigia a Veja. Isso desmente o que a carta do editor da presente edição da revista publicou com pompa.

Qual é o procedimento aceitável quando uma publicação dá um livro de alguém da casa? Você dá um texto neutro e o menor possível em tamanho. Basicamente, o registro e nada mais.

O que a Veja fez ali, sob RC e num degrau inferior o fraco diretor de redação Eurípides Alcântara, foi um crime jornalístico.

Sabino mendou dizerem que ele lembrava Machado de Assis

Sabino ficaria ainda alguns anos na Veja. Hoje, ele é um dos editores do site O Antagonista, ao lado de Diogo Mainardi.

Para quem conheceu Sabino, não surpreende a carga máxima de mau caratismo de seu site. Um redator chefe que fez o que ele fez é capaz de tudo. Jornalismo é uma arma com a qual atirar nos inimigos, sem nenhum compromisso com a verdade.

Neste sentido, Mainardi é a companhia ideal de Sabino. O Antagonista é hoje um dos refúgios prediletos da escória dos leitores de extrema direita.

Mas não é tudo em relação a Roberto Civita e seu legado editorial.

A capa da edição em que RC é rememorado, mais uma agressão a Lula, é um plágio. Ela foi copiada, descaradamente, de uma capa antiga que a revista Newsweek fez com Gadafi. (No pé deste texto, as capas.)

Diante de tudo isso, falar nas lições deixadas por RC — de quem, como antigo abriliano, sinto saudades até hoje — so pode ser entendido como uma piada.

 

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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