O modus operandi da Globo para obter ‘favores especiais’ dos governos. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 26 de fevereiro de 2016 às 16:19
Moeda de troca: o JN nos primeiros anos
Moeda de troca: o JN nos primeiros anos

Como opera a Globo ao pressionar – ou achacar – governos em busca de favores e privilégios?

A melhor resposta a essa pergunta capital para entender o Brasil moderno está no livro Dossiê Geisel, baseado em documentos do general Ernesto Geisel em seus dias de presidência.

Despachos de ministros de Geisel compilados no livro são reveladores sobre o estilo de Roberto Marinho em sua relação com a ditadura – e, posteriormente, com os governos civis.

Um episódio é particularmente significativo.

Roberto Marinho, definido pelo ministro da Justiça Armando Falcão como “o maior e mais constante amigo” do governo na imprensa, reivindicava novas concessões para a Globo.

O ministro das Telecomunicações, Quandt de Oliveira, não queria atender ao pedido. Numa reunião com Geisel, Oliveira explicou os motivos. Diz o livro: “Em 14-3-1978 ele mostrou que Roberto Marinho detinha diretamente, ou através de filhos ou prepostos, o controle societário de várias emissoras de TV (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Bauru), 11 estações de rádio em onda curta em diversas cidades do país, cinco estações de FM, duas estações em onda curta e uma em onda tropical.  A partir desse levantamento, considerou que (…) Roberto Marinho poderia chegar ao monopólio da opinião pública. Logo, não deveria receber novas concessões.”

Roberto Marinho foi a Golbery, homem forte de Geisel, e outros ministros. Falou do “constante apoio” que vinha dando ao governo. Alegou que a Globo promovia “assistência social”.

Está no livro: “Disse também que o comportamento da Rede Globo deveria fazê-la merecedora de atenção e favores especiais do governo”.

Não era apenas o conteúdo da Globo que servia de mercadoria para que Roberto Marinho demandasse “favores especiais”.

Havia mais. Os documentos relativos ao ministro Armando Falcão revelam que “Roberto Marinho se prontificava a articular reunião com empresários para elogiar a política econômica do governo”.

Falcão, como demonstra o livro, tinha clareza sobre as relações entre o governo e a mídia. Está num registro:  “O governo é o dono real da televisão e do rádio, que apenas dá em concessão a particulares. Os próprios jornais, com raríssimas exceções, dependem do governo para viver e sobreviver. É mister utilizar estas armas incríveis com inteligência e habilidade.”

Falcão não brincava em serviço. Num certo momento, o Jornal do Brasil, então o jornal mais influente do país, contratou Carlos Lacerda, cassado pela ditadura, como colunista. Falcão diz a Geisel que o JB estava passando para o lado do inimigo. E “inimigo não pode receber favores do governo”.

Roberto Marinho jamais correria o risco de ser visto como “inimigo”, e foi assim que a Globo cresceu brutalmente na ditadura militar.

Se com os generais a Globo exigiu “favores especiais”, você pode imaginar o que a empresa fez com um presidente fraco e servil como FHC.

Tanto mais que FHC foi objeto, ele também, de um “favor especial”, para dizer o mínimo – o exílio de Mírian Dutra.

É digno de nota que a Globo não teve que fazer pressão sobre os governos do PT para extrair mamatas – a maior das quais verbas multimilionárias de publicidade.

Inimigo não pode receber favores do governo, disse o ministro Falcão. Mas nem Lula e nem Dilma parecem ter, em nenhum momento, considerado a Globo – como as demais empresas jornalísticas – “inimigo”.

Se isso ocorreu por miopia, por ingenuidade ou simplesmente por estupidez é algo que só o tempo dirá.