O “movimento” #FicaTemer, a tragédia Bolsonaro e a realidade paralela de um país em transe. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 9 de novembro de 2018 às 21:19
“Vamos todos juntos”

Uma vez caído por terra o mito do brasileiro gentil, talvez a mais singular qualidade desse povo seja sua impressionante capacidade de fazer pilhéria com nossa cotidiana desgraça política.

Lançado antes mesmo do resultado final dessas eleições, mas já sobre a influência da iminente vitória de Jair Bolsonaro, o “movimento” #FicaTemer surgiu, entre outras coisas, para que jamais nos esqueçamos daquela velha sentença que diz que nada é tão ruim que não possa piorar.

Se Michel Temer enquanto presidente – fruto de um dos mais escancarados e escandalosos conluios para a deposição de uma chefe de Estado – conseguiu em dois anos e meio retroceder décadas de avanços econômicos e sociais, há apenas uma semana de eleito, Bolsonaro e sua equipe já nos provam que ruim mesmo é o que está por vir.

O #FicaTemer, portanto, traduz-se tão somente no mais legítimo e “bem-humorado” sentimento de que 80 chibatadas diárias são sempre melhores do que 100.

De uma espiritualidade de dar inveja aos mais celebrados autores de livros de autoajuda, não é exatamente dessa forma que o atual inquilino prestes a ser despejado do Palácio do Jaburu enxerga a situação.

Em entrevista concedida ao programa Bastidores do Poder da Rádio Bandeirantes nesta quinta (8), o vagante presidente diz encarar essa manifestação como o merecido “reconhecimento” dos brasileiros ao seu governo.

Afinal, segundo ele:

O que se fez nesse país ao longo desses dois anos e meio foi coisa que não se fez nos últimos 15 anos. Tenho orgulho de ter feito isso”.

A bem da verdade, a afirmação em si está correta. O que de fato assombra é a parte de alguém se sentir orgulho pelo resultado de toda essa obra.

Seja como for, o talento do homem para o devaneio – ou para a demência – realmente impressiona. Lá pelas tantas, vagueia sobre o que considera o seu futuro e sua reputação.

Pensei em me candidatar, mas analisei e concluí que seria um bombardeio irracional e eu não podia colocar em risco a minha reputação. Resolvi desistir. Acho que já fiz o que tinha que fazer na vida pública”.

Deve ser algo verdadeiramente extraordinário o universo em que um sujeito como Michel Temer ainda usufrui de alguma reputação.

Mas a grande questão que ao fim e ao cabo se impõe diante tanta irracionalidade é que em matéria de lucidez não estamos tão distantes assim daqueles que veem beleza no mais completo desmando da coisa pública.

Numa sucessão de tragédias sequentes e crescentes, seguimos com a flagrante passividade e alienação característicos do estado de insânia que se abateu num país que vive em transe numa realidade paralela.

Que ao acordamos, ainda exista um Brasil possível de ser reconstruído.