O mundo fashion precisa parar de se inspirar na cultura negra para contratar modelos brancos

Atualizado em 16 de dezembro de 2014 às 11:21
Iemanjá, segundo a Farm
Iemanjá, segundo a Farm

 

A polêmica em torno da foto da marca Farm com uma modelo branca vestida de Iemanjá reacendeu a discussão sobre a presença irrisória de negros no mundo da moda. Seja qual for a estação, quando se trata de tom de pele o grande hit é a cor branca.

O tema vez ou outra é debatido. Em postagem no seu blog feita no Dia da Consciência Negra, a jornalista de moda Lilian Pace criticou a pouca participação de negros no São Paulo Fashion Week. “Rolou mais uma temporada do SPFW nesse mês e, novamente, o número de modelos negros nos desfiles foi baixíssimo. Dos 35 desfiles apresentados, 9 marcas não trouxeram modelos negros às passarelas e o recorde de negros desfilando na temporada – apesar de muito pequeno – foi nos desfiles da Ellus e Cavalera, cada uma com 7 negros no casting em desfile com 46 e 49 looks, respectivamente”, escreveu.

Apesar das reclamações constantes, as únicas medidas recentes para garantir maior diversidade étnica nas passarelas foram os TAC’s (Termos de Ajustamento e Conduta) firmados entre organizadores das semanas de moda de São Paulo e do Rio de Janeiro e os ministérios públicos desses estados, em 2008 e 2013, respectivamente. Os dois termos pediam que no mínimo 10% dos modelos de cada desfile fossem negros ou de origem indígena.

O problema não é exclusividade do Brasil, onde mais de 50% da população se declara preta ou parda. As top models Naomi Campbell e Iman (a.k.a senhora David Bowie) já se manifestaram sobre a predominância de corpos e rostos brancos nas passarelas e editoriais de moda mundo afora.

As críticas à imagem da moça vestida de Iemanjá não fariam sentido se a composição étnica dos modelos a serviço da Farm refletisse a realidade racial do país.

Longe disso. Um passeio pelo site e pelo Instagram da marca revela que ela segue a mesma tendência da maioria das grifes brasileiras ao privilegiar o fenótipo branco. Conta-se nos dedos de uma só mão o número de negros ou negras a serviço da marca, apesar dos motivos étnicos das suas estampas, roupas e acessórios, muitos dos quais com inspiração africana.

Situação patética, mas coerente com patacoadas fashions como inexistência de modelos negras no desfile da Tufi Duek em homenagem à África ou as perucas de palha de aço usadas pelas modelos de Ronaldo Fraga em desfile inspirado na cultura negra.

Em resposta à polêmica, a Farm divulgou uma nota no Instagram onde informa que está “com uma coleção linda e sincera em homenagem à cultura negra, e suas conquistas” e que admira a “beleza negra”, não a trata como clichê e reconhece “que vivemos num pais multirracial e temos orgulho disso”.  Contratar modelos negros, que é bom, só uma vez ou outra.

A noção de que usar elementos da cultura negra é sinal de esforço pelo fim da discriminação racial tem o mesmo sentido do bordão “não sou racista, até tenho amigos negros”. Soa bem-intencionado aos ouvidos inocentes, mas na prática não contribui em nada para o combate ao preconceito.