O Nero de Pindamonhangaba: cuidar de museu não é com Alckmin. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 5 de setembro de 2018 às 19:41
Alckmin fala sobre o Museu Nacional (Foto: Reprodução/Twitter)
POR MIGUEL ENRIQUEZ
Questionado em entrevista concedida ao G1 e à rádio CBN na terça feira, 5, sobre o motivo pelo qual seu programa de governo não dedica uma única linha à preservação de museus, tema mais do que em evidência por conta do incêndio que destruiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, o candidato do PSDB à presidência da República, Geraldo Alckmin, respondeu: “É óbvio. Está implícito. Não precisa colocar no plano de governo que vai preservar museu.”
Provavelmente abalado com a decisão do promotor de Justiça Ricardo Manuel Castro, do Ministério Público de São Paulo, de impetrar uma ação  por improbidade administrativa, acusando-o de ter recebido R$ 7,8 milhões da Odebrecht durante a campanha eleitoral ao governo de São Paulo, em 2014, por meio de caixa 2, Alckmin parece ter respondido à indagação no automático.
Sem preocupar-se, portanto, com o alentado passivo que o tucanato em geral, e ele próprio em particular, têm nesse departamento.
Evidentemente, ninguém ousaria afirmar que faz parte da índole de Alckmin e seus companheiros de partido saírem ateando fogo a torto e à direito por puro prazer (em matéria de maldades, aparentemente os governantes tucanos se contentam com desviar a merenda escolar ou reprimir com sua polícia os movimentos sociais).
No entanto, não dá para esconder que as labaredas  de museus, institutos de pesquisa e prédios públicos incendiados em São Paulo, nos mandatos do PSDB, nos últimos 10 anos, são coisa de deixar no chinelo o próprio Nero, o imperador acusado de incendiar metade de Roma, no ano de 64 DC.
Em São Paulo, pelo menos até agora, a piromania foi substituída pela omissão pura e simples e pelo pouco caso com a fiscalização e preservação dos prédios públicos.
Afinal, tal como o saneamento, é algo que quase não é percebido pela população e tem pouco apelo eleitoral.
Segundo um levantamento da Folha de S.Paulo, de 2008 para cá, ocorreram nada menos de seis incêndios de instituições históricas, só na capital paulista.
O pontapé inicial foi dado pelo incêndio que atingiu o Teatro de Cultura Artística em agosto de 2008, durante a gestão do governador José Serra.
Nesse caso, já que o teatro pertence a uma entidade privada, a responsabilidade do Estado deveu-se à fiscalização precária da segurança. Menos de dois anos depois, em maio de 2010, foi a vez do prédio do laboratório de répteis do Instituto Butantan, com a destruição de um dos principais acervos de cobras do mundo – quem estava no palácio dos Bandeirantes era o vice de Serra, Alberto Goldman.
“É uma tragédia da proporção do incêndio da biblioteca de Alexandria”, afirmou, na ocasião o curador do serpentário, Francisco Luiz Franco.
Mas foi sob Alckmin, sem seus dois últimos mandatos, que o descaso e a falta de manutenção dos museus e prédios públicos, atingiu seu ponto alto, o que não autoriza ninguém a acreditar que a preservação está implícita ou seja  óbvia, como pretende o tucano.
Na verdade, nunca esteve, nem mesmo após a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que matou 242 pessoas e feriu 680, em janeiro de 2013, e deveria ter servido de alerta para o reforço da fiscalização anti-incêndio em todo o país. Prova disso, é que 10 meses depois, o auditório Simón Bolívar, do Memorial da América Latina, foi arrasado.
O passivo particular de Alckmin nessa área foi ampliado, no ano seguinte, pelo incêndio do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofício, em fevereiro de 2014, provocado por curto circuito. Detalhe: o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros estava vencido.
Problemas na instalação elétrica também causaram as chamas que tomaram conta dos três andares do prédio e reduziu a cinzas o Museu da Língua Portuguesa, no centro de São Paulo, em dezembro de 2015. Lá, assim como no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, os hidrantes não funcionaram comprometendo o trabalho dos bombeiros.
O levantamento da Folha é completado, pelo incêndio em um dos depósitos da Cinemateca Brasileira, com a destruição de 731 filmes, ocorrido menos de três meses depois do episódio do Museu da Língua Portuguesa. A Cinemateca é vinculada ao governo federal, mas tal como aconteceu com o Teatro de Cultura Artística a responsabilidade do Estado aos cuidados com a prevenção do sinistro.
Preservar museus, porém, não se resume a evitar que eles tragados pelas chamas de um incêndio. É cuidar das suas instalações, manter os prédios em funcionamento, sem goteiras que danifiquem seus acervos, é garantir que sejam lugares acolhedores para os visitantes, entre outras providência.
Tampouco nesses quesitos o tucanato tem conseguido executar um trabalho minimamente aceitável. O melhor símbolo da incúria de seus governos é o Museu Paulista, também conhecido como Museu do Ipiranga.
Em ruínas, o museu que conta a história da Independência do Brasil está fechado para reformas desde 2013. Somente cinco anos depois, em março passado, foi apresentado o projeto de restauro vencedor do concurso promovido pela USP, a universidade do governo paulista, responsável pelo museu.
As obras, que deverão custar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões, deverão ser iniciadas no ano que vem. E com a ajuda dos astros poderão estar prontas em 2022, para as comemorações do Bicentenário da Independência.