O ódio aos pobres e os moradores de rua supostamente envenenados: Quem se importa com eles? Por Daniel Trevisan

Atualizado em 17 de novembro de 2019 às 17:43
Moradores de rua envenenados. Crédito: divulgação da Polícia Militar

Desde 2013, quando a direita se apropriou de um movimento legítimo contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trens, um ódio saiu do armário no Brasil.

É o ódio de uma parte da sociedade brasileira ao pobre — tratado com prioridade pelo governo da época, exatamente como define a Constituição.

A queda da Dilma, a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro fizeram parte dessa ofensiva.

O combate à corrupção era só uma desculpa.

“É o PT quem gosta dos pobres”, disse Bolsonaro recentemente, quando vetou o projeto de lei que reintroduzi a gratuidade pra o transporte de bagagem em aviões.

É nesse ambiente que deve ser visto o episódio do suposto envenenamento de nove moradores de rua em São Paulo.

Um sobrevivente declarou à Polícia que, ao pedir dinheiro num farol na região da Cracolândia, centro de São Paulo, ouviu do motorista que não tinha dinheiro, mas uma garrafa de bebida, que lhe deu de presente.

Ontem, um dia depois, esse morador de rua ingeriu a bebida, juntamente com outras oito pessoas, na cidade de Barueri, na Grande São Paulo.

Pouco depois, todos caíram e quatro morreram. São eles: Edson Sampaio da Silva, de 40 anos; Luiz Pereira da Silva, de 49 anos; Marlon Alves Gonçalves, de 39 anos; e Denis da Silva, de 33 anos.

Os outros cinco estão internados, em estado grave. São eles: Renilton Ribeiro Freitas, 43 anos, Silvia Helena Euripes, 54 anos; Vinicius Salles Cardoso, 31 anos; Sidnei Ferreira de Araújo Leme, 38 anos; e Paulo Cezar Pedro, de 41 anos.

Confirmado o evenenamento, não será a primeira vez que moradores de rua são alvo desse tipo de crime. Há cerca de 15 anos, na praça da Sé, uma bebida foi oferecida a três moradores de rua. Dois morreram.

Um sobreviveu e, depois disso, com medo de ser alvo de novo atentado, ele passou a dormir em um cemitério da cidade.

Em 2004, sete moradores de rua foram assassinados na região central, em dias diferentes. Todos morreram com golpes de bastão na cabeça.

Dois policiais e um segurança foram apontados como autores, mas ninguém foi punido, devido a falhas na investigação.

Dez anos depois, o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, comentou:

“O que ouvimos, inclusive de autoridades, é que esse cri­me não seria resolvido, porque envolvia muitos interesses e muitas pessoas im­portantes e de poder.”

Moradores de rua são alvo de ataques constantes em São Paulo. Muitos deles passam a noite acordados, recolhendo recicláveis, e dormem de dia, em meio às pessoas que andam pela calçada.

Muitos os têm por vagabundos, por dormirem durante o dia. Mas, para eles, é uma estratégia de sobrevivência. Ninguém vai atacá-los à luz do dia e no meio de tanta gente.

Talvez por isso é que alguém, incomodado com a presença deles nas vias públicas —que aumentou em razão do desemprego — tentou eliminá-lo com um “presente” fatal, o veneno na garrafa de bebida.

Surpreendente é que a notícia levou gente a comemorar nas redes sociais. Um internauta que se identifica como “Em busca da morena” postou ontem à noite:

“Fizemos uma boa ação hoje e demos Corote para um morador de rua”.

A frase foi seguida de um emoji de gargalhada.

A polícia abriu inquérito para apurar o envenenamento das nove pessoas. É possível chegar ao autor do crime.

O primeiro passo é recolher as imagens gravadas nas imediações do semáforo onde o morador de rua recebeu a garrafa de bebida.

Mas haverá pressão para que a polícia apresente resultados?

Se o suposto crime atingisse pessoas de classe média, a esta altura é possível que já houvesse prisões.

Como são moradores de rua, é quase certo que não haverá o mesmo empenho.

Afinal, quem gosta de pobre é o PT, e o PT não comanda a polícia.