O oportunismo da Globo ao fazer uma série sobre o goleiro Bruno, herói do Brasil bolsonarista. Por Nathalí

Atualizado em 10 de janeiro de 2020 às 20:42
Goleiro Bruno foi preso novamente após se apresentar à polícia em abril de 2017 em Varginha (Foto: Reprodução/TV Globo )

POR NATHALÍ MACEDO

O goleiro Bruno, assassino condenado de Eliza Samúdio, mãe de seu filho, nunca esteve numa fase tão boa em sua vida e carreira. Livre da cadeia – graças aos privilégios gozados pelos misóginos minimamente poderosos no Brasil -, ele pode ganhar, pasmem, até série na globo.

Por aqui, o crime compensa: o assassino é cotado para alguns clubes brasileiros, inclusive o Fluminense de Feira, time baiano (que vergonha, princesa do sertão!), onde ele ganharia 6 mil por mês e só não foi contratado graças à repercussão negativa da notícia.

Quando a decisão foi anunciada pela presidência do clube, a imprensa baiana pegou fogo: Jéssica Senra, apresentadora da TV Bahia, criticou a imoralidade da decisão, e o presidente do fluminense, um pastor evangélico, justificou-se ao afirmar-se empenhado na missão de ressocializar pessoas condenadas.

Oi? Pra cima de moi?

A ressocialização nunca foi uma prioridade no Brasil, muito menos para os evangélicos, que se limitam a “recuperar” viciados em crack com o objetivo exclusivo de colonizá-los e transformá-los em crentes arrecadadores de dízimo, e o objetivo de Ewerton Carneiro é, muito provavelmente, o mesmo da maioria dos presidentes de clubes de futebol no Brasil: ganhar dinheiro, muito dinheiro, mesmo que isso implique em contratar um feminicida condenado.

A ressocialização, aliás, sempre foi rotulada como uma pauta de esquerdistas defensores de bandido – tá com pena do feminicida, Carneiro? Leva pra casa.

E já que agora os conservadores resolveram lembrar que todo ser humano merece uma segunda chance – a mesma regra não vale pro pai que furta num supermercado pra alimentar seus filhos, né? – que torçam para que Bruno arranje um emprego e viva sem glamour e sob as consequências de seus atos, em vez de simplesmente continuar sua carreira numa boa como se nunca tivesse esquartejado a mãe do próprio filho.

É claro que, como esquerdista defensora de bandido (leia-se: defensora dos direitos humanos), eu jamais seria contra a reinserção de condenados à sociedade, mas, nesse caso, não se trata de ressocialização: a contratação do goleiro Bruno é uma congratulação ao feminicídio, uma aberração moral que só confirma, mais uma vez, que vivemos em um país que odeia mulheres.

Quando um homem esquarteja a mãe do próprio filho, joga os restos mortais aos cachorros e é recebido na porta da delegacia por fãs com máscaras de cão, cada mulher brasileira sente a dor de Samúdio.

Quando, depois disso tudo, o assassino segue sendo cotado para contratações em clubes brasileiros, todas nós somos esquartejadas.

Quando uma emissora de televisão cogita uma série pra dar palco ao horror e receber em troca uma audiência suja, é nosso dever, enquanto mulheres que politizam sua condição, nos levantarmos contra isso.

Nós já sabemos que o Brasil é o pior país do mundo para se viver sendo uma mulher. Nós sabemos, melhor do que ninguém, o tamanho do desafio que é tentar ter o mínimo de dignidade em um país que sequer tem a decência de fingir que rechaça o feminicídio.

Mas isso não significa que devemos nos conformar, muito pelo contrário: é preciso muito barulho para que nossas mortas sejam lembradas, para que nossos túmulos não sejam pisoteados, para que nossa luta não seja em vão.

Pelo assassinato de Eliza Samúdio, nenhum minuto de silêncio.