De Londres
Veja, se puder, o original inglês de House of Cards, a série que mostra a política e o jornalismo como eles são.
A versão americana é fiel, e esta é sua maior virtude porque os ingleses fizeram uma coisa simplesmente sensacional – provavelmente o maior suspense político da história da tevê.
Nos dias de hoje, em meio ao tumulto de reações despertadas pela morte de Thatcher, ver House of Cards é ainda mais interessante.
A história começa em 1990, o ano em que Thatcher caiu. “Nada dura para sempre”, diz, sarcástico, com um porta-retrato de Thather na mão, um velho cacique do partido conservador, o de Thatcher.
Seu nome é Frank, como o da edição americana, mas o sobrenome é outro: Urqhart. Ele foi interpretado por Ian Richardson, já morto, num papel até hoje reverenciado pelos britânicos.
Como o americano Frank Underwood de Kevin Spacey, Urqhart começa sua jornada para o mal quando suas aspirações são negadas pela nova administração.
Urqhart e Underwood são igualmente canalhas, amorais e vítimas fáceis da manipulação de esposas piores que eles mesmos.
Usam sexualmente jovens repórteres para divulgar informações que vão ferir seus alvos, e são usados por elas, interessadas em furos capazes de empurrar sua carreira que principia.
Isso é tão comum no jornalismo como o cafezinho na redação.
Raras vezes a tevê mostrou tão bem as relações promíscuas entre políticos e jornalistas. Na vida real, as coisas não são diferentes.
Nem sempre o casamento de interesses é entre um homem e uma mulher. No extraordinária enlace que uniu o bicheiro Cachoeira e o editor da Veja Policarpo Júnior, não era o sexo que estava por trás das coisas. Mas a lógica era idêntica: eu dou a você informação explosiva contra meus inimigos e você publica e fica com a glória do furo.
Jornalista não tem amigo, disse há 150 anos o maior de nós, Joe Pulitzer, numa frase muito lembrada e pouco seguida. Se Policarpo obedecesse Pulitzer, não teria se teansformado num morto-vivo no jornalismo brasileiro.
Gosto da série americana, cuja segunda temporada acaba de ser lançada pelo Netflix, mas a inglesa é incomparável.
As duas deveriam ser estudadas nas escolas de jornalismo: são retratos doídos e verazes da vulnerabilidade dos jornalistas e da imoralidade dos políticos que não hesitam em tirar proveito dessa vulnerabilidade.