O País à espera do 31 de março. Por Leandro Fortes

Atualizado em 14 de janeiro de 2023 às 23:28
O ministro da Defesa, o engenheiro José Múcio (PTB), e o presidente Lula (PT)
Foto: Reprodução

Quando Lula diz que confia plenamente no ministro José Múcio Monteiro, em meio à anarquia militar por ele, o ministro da Defesa, permitida além do limite do concebível, o presidente conforma essas palavras mais às circunstâncias do que à verdade, para usar um conceito do filósofo francês Étienne de La Boétie, autor da teoria da servidão voluntária.

Lula é o maior líder político e popular de nossa história, mas é bom nunca esquecer que um dos impasses da civilização brasileira é, justamente, o apagamento forçado de traumas antigos e permanentes, em nome da realpolitik.

Esse apagamento tem servido tanto para alimentar a ladainha do seguir-em-frente-e-não-olhar-pra-trás, como para garantir à burguesia as vagas de comando nos aparelhos ideológicos do Estado, na definição de outro francês universal, nascido na Argélia, o filósofo marxista Loius Althusser. Abre, a cada passo adiante, um abismo político e faz a história se repetir, de uma vez só, como farsa e como tragédia, de tal maneira que nem Marx pôde dimensionar.

O Judiciário, o Ministério Público, a mídia e o Congresso Nacional têm se mantido acoplados a esse aparelhamento graças a um grande acordo das elites nacionais firmado na sua origem agrária, antes mesmo da República, na Guerra do Paraguai (1864 a 1870). Graças ao conflito, foi possível aos proprietários de terras financiar a criação de um exército nacional para, a título de defender a pátria, exercer a guarda dos interesses do latifúndio e reprimir os pobres. Ainda no século XIX, já republicano, o Exército foi a mão de ferro que esmagou os miseráveis de Canudos, no sertão da Bahia.

A ascenção do Estado Novo, na década de 1930, e, principalmente, a subordinação das tropas da Força Expedicionária Brasileira ao 5° Exército dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial, selaram o perfil autoritário e antipopular das Forças Armadas. O golpe de 1964 apenas radicalizou a violência da superestrutura militar para se adequar às circunstâncias do zietgeist geopolítico.

Chegamos a 2023, 126 anos após o massacre de Canudos, com o mesmo tipo de Exército, mas com lideranças distantes de qualquer tipo de nacionalismo, mesmo o reacionário. A cada general apresentado pelo bolsonarismo tem-se a impressão que, abandonados à própria sorte, desde a redemocratização, em 1985, os quartéis se fecharam na velha doutrina de segurança nacional e só agora saíram de um coma prolongado, despejando por todos os lados patriotas entreguistas, mamateiros e delirantes na última trincheira global contra o comunismo.

Seria apenas risível, não fosse, antes de tudo, assustador. Os acontecimentos de 8 de janeiro estão diretamente ligados à conivência do estamento militar a grupos de extrema-direita incubados no bolsonarismo. Insistir em manter um ministro da Defesa que viu na barbárie uma manifestação democrática não é só um erro.

É uma crise anunciada com dia marcado: 31 de março de 2023, quando as viúvas e os herdeiros da ditadura militar comemoram o Golpe de 1964, ilegalmente, dentro da caserna.

Quando de novo irão as vivandeiras alvoroçadas aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar, nas inesquecíveis palavras do Marechal Castello Branco, primeiro ditador do regime dos generais.

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