O papel do álcool na tragédia de Janot, um cruzado contra o porte de drogas para uso pessoal. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 2 de outubro de 2019 às 7:16
Rodrigo Janot, a esperança do Brasil

Há um elemento que está sendo esquecido ou subestimado na tragédia de Rodrigo Janot.

Trata-se do papel do álcool em sua debacle.

Para quem estava em Marte: Janot contou em seu livro, entre outras coisas, que, em 2017, entrou com uma pistola no STF para matar Gilmar Mendes.

Gilmar teria feito insinuações sobre sua filha Letícia Ladeira Monteiro de Barros, advogada que representou a empreiteira OAS no Cade.

“Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha”, narra o ex-PGR.

“Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não.”

A bebida permeia toda a obra.

“Tiramos um dia de folga e esvaziamos algumas garrafas de vinho”, conta numa passagem em que recebe Rogério Chequer, do Vem Pra Rua.

Nos momentos “mais tensos”, ele interrompia o trabalho e convocava a equipe para suas libações. Uma geladeira era mantida ao lado do gabinete com destilados e fermentados.

“Na hora do aperto, quando a turma estava arrancando os cabelos, a farmacinha cumpria uma função terapêutica”, escreve.

No dia em que foi comunicado por Dilma que seria o nome escolhido para a Procuradoria, teve que forçar um vômito para eliminar resquícios do vinho que tomara no almoço.

Para ficar em pé, mandou bala num coquetel de café e sal. “Foi um estrago”, relembra.

Após a publicação de trechos da obra nos jornais, Janot foi encontrado na manhã de um sábado num boteco.

“Aqui é o meu lugar”, disse ao site Metrópoles, dando goles de cerveja.

Em 2015, Janot se posicionou contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal em julgamento no STF.

Segundo seu parecer, “não existe direito constitucionalmente assegurando a uma pessoa ficar em êxtase”.

O porte “traz consigo a possibilidade de propagação de vício no meio social”. Criticou as pessoas que minimizam os efeitos da maconha. 

O que causa a dependência química do álcool, pontuou, “é o abuso e o excesso continuado da bebida alcoólica”.

Pois é.

Janot esteve por um fio de se tornar um assassino. 

É evidente que nem todo alcoólatra pega uma Glock para dar cabo de um juiz do Supremo (a chance de um maconheiro fazer isso, por outro lado, é nula).

Mas é o cúmulo da negação ignorar o efeito que esse remédio — legal, vale lembrar — de sua farmácia lhe provocava.

Eis o cidadão “moderado” e “equilibrado”, de acordo com Deltan Dallagnol.

Não é moralismo, veja bem. É saúde pública. É hipocrisia. É uma doença.

A fraude da Lava Jato é, sobretudo, uma fraude humana.

Janot em seu elemento