Eleições 2018

O Partido “Novo” talvez seja o que de pior existe na política brasileira, incluindo Bolsonaro. Por Luis Felipe Miguel

João Amoêdo

Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel, professor da UnB, coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades

O “Novo” (sic) é um fenômeno ilustrativo. Ele nos permite avaliar quão muderna e iluminada é a nossa burguesia.

A fundação do partido parece responder ao desejo do Itaú Unibanco de não pagar mais pedágio para a elite política tradicional e governar diretamente. Um partido, digamos assim, militantemente antibonapartista. “Todo poder à burguesia”.

Com um reluzente plantel de multimilionários na sua direção, o “Novo” queria ser o arauto do credo ultraliberal, em sua forma mais descontaminada e intransigente. Seria um mostruário da sofisticação intelectual, competência gerencial e honestidade a toda prova – quanto não tentada pelo etos corrupto da elite política – da nossa classe capitalista.

Como demonstração mais cabal da seriedade do partido-empresa, foi instituído um “processo seletivo” para possíveis candidatos. Só tem direito de envergar a camisa alaranjada do “Novo” quem é aprovado por uma banca, que avalia currículo e aplica uma prova escrita. (Também é necessário pagar uma taxa, de 300 ou 600 reais dependendo do cargo, “não reembolsáveis”. O “Novo” aceita cartão.)

Agora candidato a presidente, ganha maior visibilidade João Amoêdo, o inspirador, chefe e acionista principal do “Novo” – dados indicam que ele investiu mais de 4 milhões de reais no partido, enquanto nenhum dos outros banqueiros associados colocou mais do que 250 mil. E quem é ele?

Em vez do sofisticado intelectual libertariano que era prometido, temos um troglodita de terno e gravata, que repete mecanicamente sua profissão de fé nas virtudes do mercado, indiferente às consequências humanas, incapaz de ver como pessoas aqueles que são jogados às margens. O Estado não pode intervir nem mesmo para impedir as injustiças mais gritantes, os serviços públicos devem ser abolidos, tudo deve ser privatizado. Não dá para perceber diferença entre Amoêdo e Flávio Rocha, por exemplo. Ambos são reprodutores do mesmo discurso tacanho.

Na verdade, o fundamentalismo de mercado de Amoêdo e o fundamentalismo cristão do Cabo Daciolo, por mais diferenças que possam apresentar, indicam a mesma incapacidade de raciocínio complexo e a mesma adesão a dogmas invulneráveis ao embate com a realidade. Sinto mais simpatia pelo Cabo, imerso em sua própria desrazão, do que pelo banqueiro janotinha, que tira proveito de seu próprio discurso e com quem a gente nunca sabe onde termina o fanatismo e começa o cálculo.

Falei que Amoêdo é um troglodita de terno e gravata, mas não é mais assim. Ao entrar em campanha, ele passou a envergar camisa polo e suéter. Seu site pretende que ele seja chamado de “João”. (Risos.)

Mas não é só a imagem. A rigidez doutrinária libertariana não resistiu à política real e hoje o “Novo” está pronto a aceitar a defesa da censura, a limitação dos direitos individuais, o conservadorismo tradicional. Seus candidatos, aqueles mesmos que pagaram todas as taxas e passaram no rigoroso processo seletivo, parecem saídos da tropa de choque bolsonariana.

Ricardo Salles, uma das principais apostas do partido para a Câmara dos Deputados em São Paulo, escolheu um número de candidato que faz alusão a calibre de projéteis de rifle e distribui material de campanha sugerindo o fuzilamento da esquerda. Diego Dusol, que também concorre a deputado federal, mas na Paraíba, promete tornar o aborto “crime hediondo” e liberar completamente o acesso a armas: “mais que um fuzil, fazendeiros e agricultores poderão adquirir um tanque de guerra” (não estou inventando, é citação literal do material de campanha dele).

Este é o “Novo”. Talvez seja o que de pior existe na política brasileira hoje. Pior até do que Bolsonaro. Filhotes mimados da burguesia brasileira brincando de fazer política e se achando imensamente superiores a todo o resto da sociedade. Ao contrário de Bolsonaro, eles nem sequer desconfiam do quão toscos são.

Propostas de Diego Dusol
Diario do Centro do Mundo

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