O pastor que morreu no prostíbulo em Assis e Jorge Amado: carne fraca não resiste à Maçã do Amor. Por Daniel Trevisan

Atualizado em 19 de setembro de 2020 às 17:20
Fachada do prostíbulo onde o pastor morreu

A Bíblia que o pastor Lázaro Peres Gonçalves, da Igreja Visão Missionária, seguia com grande alarde diz que não há um justo sequer na Terra.

“Todos pecaram”, registra o texto interpretado por religiosos como sagrado.

Mas Lázaro Peres, como se vê por vídeos de sua pregação, não era, necessariamente, compreensivo com o pecado alheio, e costumava falar duro com aqueles que manifestavam alguma dúvida com a mensagem que o pastor apresentava como inquestionável.

“Se você tem dúvida, este não é o seu lugar”, afirmou em uma de suas pregações.

Em outra manifestação no púlpito, também alertou seus fiéis para as semelhanças do tempo presente com Sodoma e Gomorra, e recomendou a seus seguidores que se comportasse como Ló, o sobrinho de Abraão, que teria recebido anjos e sua casa, e os protegido.

Segundo o livro de Gênesis, que compõe a Bíblia, Ló foi poupado por Deus, mas sua mulher, não. Quando fugiam, ela olhou para trás, como se tivesse deixado algo bom, e virou uma estátua de sal.

Toda essa narrativa pode ser apenas alegoria de uma mensagem que serve como âncora antropológica para setores da sociedade.

Pode ser uma lenda — afinal, alguém viu alguém que tenha virado estátua de sal? Ou conhece alguém que tenha visto alguém virar estátua de sal?

Pode ser ficção. Mas a realidade, para quem usa essas mensagens para manter um povo cativo da religiosidade, às vezes bate à porta.

E de maneira cruel, escancarando a hipocrisia de homens e mulheres que costumam se apresentar como portadores da verdade divina.

Isso aconteceu com Lázaro Peres, em seu último dia de vida. Ele foi inaugurar uma igreja em Cândido Mota, interior de São Paulo, e algumas horas depois estava morto na piscina de um prostíbulo de Assis, cidade do interior de São Paulo, que teve um dos bordéis mais famosos do Brasil, a casa de Antonieta, que recebeu uma vez a visita de Jorge Amado, que tinha ido à cidade para rever o primo médico.

Antonieta, a dona do bordel descrita por prostitutas como uma mulher generosa, teria inspirado o escritor na obra “Tieta do Agreste”, lançada em 1977, três anos depois que Jorge Amado frequentou sua casa.

A zona do meretrício de Assis, que funcionou por décadas, deu lugar a empreendimentos imobiliários, e seus bordéis se transferiram para regiões mais distantes da área urbana, para que as famílias pudessem viver sem confrontação de acordo com suas tradições, inclusive as religiosas.

Uma dessas casas é a Maçã do Amor, que fica na Estrada da Pinga. A via não é principal, fica afastada. Nem asfaltada é. O muro alto que protege a casa é pintado de vermelho. Terminado o culto, o pastor foi para lá, depois de passar por uma choperia, com dois outros colegas da igreja.

Segundo se saberia mais tarde, de acordo com o Boletim de Ocorrência, por volta da 1 da madrugada de 12 de setembro, sábado passado, uma mulher gritou por socorro porque um homem talvez já estivesse morto a seu lado.

Ela fazia massagem cardíaca, mas o homem não regia. Era o pastor que havia inaugurado a igreja horas antes. Seus colegas o levaram para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Assis, mas não adiantou.

Informações preliminares deram conta de que ele tinha se afogado.

Segundo um dos homens que o acompanhavam, também pastor, os três tinha ido a uma choperia em Assis logo depois da inauguração da igreja.

Claro que, conforme a versão dele, era uma choperia, mas ele não beberam nada alcoólico. Estavam ali para jantar. O pastor Lázaro teria sido informado, por telefone, que sua igreja estava sendo fiscalizada.

O amigo pastor diz que ele ficou nervoso e decidiram pernoitar na cidade, em vez de seguirem viagem de volta para São José do Rio Preto, que fica mais de 250 quilômetros distante.

Para economizar, procuram um motel e teriam parado na recepção da Maçã do Amor. Só ali descobriram que se tratava de um bordel. Ainda assim, entraram, para beber água (na choperia, não tinham matado a sede).

Por alguma razão que o amigo pastor não soube explicar, Lázaro foi parar na piscina, e quando ele voltou a vê-lo estava do lado de fora, recebendo massagem cardíaca de uma mulher.

Para ele, não foi afogamento, mas infarto a causa da morte.

O repórter que entrevistou o pastor amigo de Lázaro diz que o relato é incoerente.

“Durante a conversa por telefone com o repórter do AssisCity, houve confusão em suas descrições na sequência dos fatos e disse não saber como se afastaram um do outro dentro da boate e nem dizer com precisão o horário do ocorrido, mas imagina que tenha sido entre meia-noite e uma hora, e disse nem saber como o pastor chega à beira da piscina”, destaca o repórter do portal.

Questionado sobre a presença de líderes religiosos, que se apresentam como homens de Deus, no prostíbulo, o pastor amigo do pastor que morreu disse que não sabia da natureza do serviço prestado no local.

“Se somos pastores, como podemos ir a uma casa noturna?”, respondeu.

A resposta foi alvo de comentários irônicos no AssisCity. Entre uma das 120 pessoas que comentaram a notícia, uma disse, talvez com precisão:

“Temos que reconhecer que o homem de Deus morreu feliz!”

Outro emendou:

“Sim, morreu salvando as ovelhinhas”.