O pior delito de Eduardo Cunha. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 3 de dezembro de 2015 às 15:53
Cunha usou o cargo para se proteger
Cunha usou o cargo para se proteger

Desde o início do caso Cunha, uma coisa me intrigou particularmente: como ele, ferido de morte por evidências acachapantes de corrupção, poderia ter o poder de decidir sobre algo de tamanho impacto para o país como um processo de impeachment?

Somos uma sociedade tão vulnerável assim a achacadores como Cunha? Não temos defesas, não temos freios que nos protejam em situações de flagrante perigo?

Desde que os suíços mandaram ao Brasil as provas dos crimes de Cunha, os dias foram passando, um a um, lentamente, sem que minha questão encontrasse resposta.

A imagem que me ocorreu era esta: deixar um sujeito desesperado e disposto a tudo na posse de uma metralhadora.

Bem, veio enfim o pedido de impeachment, com o tumulto que se pode prever para os próximos meses.

Mas, ao mesmo tempo, apareceu a resposta à minha questão: sim, o Brasil tem mecanismos de defesa.

O que choca é que eles tenham sido postos na mesa apenas agora, quando Cunha já usou desvairadamente a sua metralhadora.

Juristas lembram o chamado “desvio de finalidade”, previsto na lei. É quando alguém usa um cargo de caráter público para benefício privado.

O jurista Joaquim Falcão, da FGV do Rio, colocou isso de maneira claríssima num artigo publicado hoje no site de assuntos jurídicos Jota.

Falcão escreveu: “Não se trata mais de saber se tem conta na Suíça ou não. Se se mentiu ou não aos colegas. Tudo fica pequeno quando a alma é pequena. A eventual conduta ilegal de Eduardo Cunha agora é outra. É maior. Fácil perceber.

As prerrogativas de decidir pauta, horário das sessões, prioridades de votação, encaminhamento ou não dos pedidos de impeachment, por exemplo, não são prerrogativas do “cidadão” Eduardo Cunha. Nem mesmo do “deputado“ Eduardo Cunha. São prerrogativas públicas do cargo de “presidente da Câmara”.

Como prerrogativas públicas, não podem ser apropriadas por interesses privados. É como se um policial usasse a viatura pública, que tem finalidade de garantir a segurança da coletividade, para ir à praia com a família. Ou o delegado deixasse de registrar uma queixa porque é contra um parente seu.

Em suma: o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estaria usando da prerrogativa pública para a proteção privada do cidadão Eduardo Cunha. São papéis com direitos e deveres distintos. Não se confundem.

Não é por menos que vários juristas consideram, e já começam a surgir, junto ao Supremo, tentativas de caracterizar esta ilegalidade.”

A ideia chave aí: Eduardo Cunha está usando da prerrogativa pública para a proteção privada do cidadão Eduardo Cunha.

É o que claramente está ocorrendo.

Respondida minha antiga questão – sim, há proteção contra atitudes como a de Cunha – aparece imediatamente outra: por que este argumento definitivo demorou uma eternidade para vir à tona?

Onde estava a defesa do governo, que não tratou de informar no devido tempo a opinião pública sobre a natureza do procedimento de Eduardo Cunha?

Onde estava a mídia, com sua tonelada de irrelevâncias sobre o tema do impeachment, e incapaz de jogar luz numa informação tão importante?

Disse aqui algumas vezes: a missão essencial da imprensa é jogar luz onde haja escuridão, para que os cidadãos possam se informar corretamente. Mas a mídia brasileira faz o oposto: onde há escuridão, ela atira ainda mais sombras.

O fato é que desde o primeiro momento Eduardo Cunha usou a presidência da Câmara como se fosse uma propriedade sua pessoal e intransferível.

É mais um delito de Cunha. Talvez o maior deles.