‘O plano A, B e C é reverter o corte. Se for mantido, teremos de fechar’, diz reitor da UFPEL

Atualizado em 7 de maio de 2019 às 16:22
Campus da EFPEL (Imagem: reprodução)

PUBLICADO NO PORTAL SUL 21

POR LUÍS EDUARDO GOMES

Em reportagem publicada no último sábado (4), o Sul21 apontou que os cortes de ao menos 30% anunciados pelo governo federal em universidades e institutos federais devem representar no mínimo R$ 215 milhões da verba destinada para investimentos de custeio e capital — tudo aquilo que não é a folha de servidores — de instituições gaúchas. Um dos primeiros reitores a se levantar contra a medida foi Pedro Rodrigues Curi Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), por meio de uma postagem nas redes sociais. De um orçamento projetado de R$ 83,6 milhões, a instituição teve bloqueados R$ 29,2 milhões. Em conversa com a reportagem na tarde desta segunda-feira (6), o reitor fala sobre os possíveis impactos que o corte de recursos terá não só para a universidade, mas também para a região de Pelotas, e defende que é preciso haver uma mobilização para reverter a medida, caso contrário a UFPEL não terá como pagar suas contas até o final do ano.

Hallal iniciou a conversa destacando que os Planos A, B e C da universidade são a reversão do cortes anunciados, pois, caso se mantenham, ela corre risco real de fechar as portas antes do final do ano. Ele afirma que, como o planejamento orçamentário da UFPEL para 2019 já contava com os repasses previstos pelo governo federal antes do bloqueio, não há como reduzir despesas esse ano. Ele destaca, por exemplo, que os contratos de bolsas firmados com estudantes, seja de extensão, pesquisa ou monitoria, têm a validade mínima de abril a dezembro deste ano e, caso fossem rompidos, poderiam ensejar ações judiciais contra a universidades. Além disso, os contratos de serviços terceirizados em andamento também não poderiam ser rompidos nem sequer sofrer cortes equivalentes ou valor contingenciado.

“Só para vocês terem uma ideia, que às vezes as pessoas não tem muito o entendimento, os nossos contratos de vigilância, de limpeza, de portaria, de serviços gerais, são feitos com a duração mínima de um ano, normalmente são contratos um pouco mais longos, e tu não pode chegar a qualquer hora e dizer para a empresa: ‘olha, nós vamos cortar 30%’. Tem cláusulas nesses contratos que dizem que a redução máxima unilateral ao longo de toda a duração do contrato é de 25%. Então, a gente nem tem logisticamente como, no meio do ano, por uma questão política do governo resolver tirar o nosso dinheiro, fazer os cortes necessários”, diz. “As universidades já sofreram com cortes orçamentários ao longo da sua trajetória, já trabalhamos com orçamentos super apertados. Mas, cortes dessa magnitude sempre que foram anunciados acabaram revertidos. Então a gente trabalha com o plano A, B e C de que esses cortes sejam revertidos novamente. A gente não tem nenhuma possibilidade de lidar com esse corte no momento. Se ele for mantido, a universidade fecha as portas ainda antes do final do ano”.

Para conseguir a reversão do corte, o reitor diz que a universidade conta com três frentes. A primeira delas é a mobilização da comunidade acadêmica e da população de Pelotas. “Mesmo sem um chamado muito direto ainda por parte da reitoria, tanto a comunidade acadêmica, os nossos estudantes, professores e técnicos, quanto a comunidade em geral aqui estão muito mobilizadas. Está sendo inclusive um ponto positivo desse processo, se é que dá para haver um ponto positivo. As pessoas já foram às ruas, estão indo nas redes sociais, tem um abaixo-assinado aí com mais de um milhão de assinaturas, o texto que eu publiquei sobre isso tem milhares de compartilhamentos. Então, tem um aspecto forte de mobilização popular”, afirma.

Uma segunda frente é política. Hallal diz que já recebeu manifestações da prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB), do prefeito de Capão do Leão — cidade que tem um campus da UFPEL –, Mauro Nolasco (PT), do deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB), cuja base eleitoral é a região de Pelotas, e de diversos deputados estaduais. “Todos se colocando contrários ao corte e à disposição da universidade para atuarem, seja em Brasília ou onde quer que seja, para a reversão desses cortes”, diz.

Por fim, a última frente que ele conta é com a divulgação dos cortes pela imprensa. “A mídia não está a serviço das universidades, mas tem um compromisso social com a comunidade e tem dado uma repercussão para o que vem acontecendo e essa repercussão na mídia, de uma forma ou de outra, torna a pauta conhecida e já que a maioria das pessoas ao conhecerem a pauta, se posicionam do lado das universidades, acaba que é mais uma fonte grande de mobilização”.

Impacto na cidade

Hallal diz que é preciso deixar claro que, caso os cortes sejam confirmados, os estudantes da UFPEL serão afetados diretamente. Ele explica que a verba de custeio da universidade é usada, por exemplo, para o subsídio das refeições feitas no restaurante universitário, bem como o pagamento da empresa prestadora de serviço. Da mesma forma, este recurso é utilizado para o custeio das residências estudantis, que abrigam cerca de 300 estudantes. “Uma falácia que vem sendo dita, uma informação equivocada que vem sendo passada, é de que os cortes não afetam os estudantes, isso é uma mentira muito grande”, afirma.

Para além disso, a realização das aulas seria diretamente impactada pela incapacidade da universidade em honrar seus compromissos com demais prestadores e fornecedores de serviços a partir do segundo semestre de 2019. Segundo o reitor, cerca de 500 pessoas trabalham na prestação de serviços terceirizados para a UFPEL. “Os nossos vigilantes, o pessoal da limpeza, o pessoal da portaria, o pessoal dos serviços gerais, todos eles correm o risco, inclusive, de perderem o emprego em decorrência dessa medida, que é muito mais política do que econômica, adotada pelo governo federal”, diz.

Contudo, Hallal destaca que não é só o funcionamento da universidade que está ameaçado, e sim uma série de serviços prestados para a o população que dependem da existência da UFPEL. Um exemplo disso é a saúde municipal. “O único hospital 100% SUS da cidade é nosso, é o hospital escola da UFPEL. Tem 180 leitos SUS em Pelotas que são sustentados pela universidade. Depois tem quatro unidades básicas de saúde, que a população chama de postinhos, que são totalmente sustentados e organizados pela UFPEL. Tratamento do HIV, do câncer, das crianças com autismo. Tudo isso passa hoje diretamente pela UFPEL. Se a UFPEL para, param esses atividades”, diz.

Hallal destaca que os cortes também devem trazer prejuízos para diversos setores econômicos da cidade, visto que ela conta com uma comunidade formada por aproximadamente 20 mil alunos, sendo cerca de 17 mil de graduação e cerca de 3 mil de pós-graduação, fora os professores, técnicos e terceirizados, que movimentam a economia local. “Vamos pegar o ramo das imobiliárias. As imobiliárias aqui da cidade lidam anualmente com milhares de estudantes que vêm de fora para alugar apartamento, para morar em Pelotas. Imagina o que aconteceria caso a universidade não estivesse aqui, certamente que o mercado imobiliário da cidade entraria numa grande recessão e vários negócios seriam encerrados. Depois a gente pode entrar no setor do comércio, a universidade despeja em Pelotas, através do salário dos nossos professores e técnicos, R$ 720 milhões por ano. Esse dinheiro é diretamente consumido na economia local. Imagina o impacto na economia de uma cidade cujo orçamento é um pouco maior do que isso, a gente representa quase que um segundo orçamento na cidade de Pelotas. Todo o setor econômico da cidade seria muito prejudicado. No setor cultural nem se fala, existe um imbricamento muito grande entra o que é a cultura do município e o que é a cultura proporcionada pela universidade. Os museus da cidade são nossos, o festival de música que nós temos todo janeiro, a maior parte dos eventos culturais, eventos esportivos, o time de futsal que está disputando a Sério Ouro [primeira divisão do campeonato gaúcho de futsal], todos eles têm vínculo com a universidade. A UFPEL movimenta a cidade de Pelotas”, afirma.

Pesquisa ameaçada

Para além da prestação direta e indireta de serviços, Hallal destaca que a UFPEL é responsável hoje por diversas pesquisas de ponta no Brasil. Segundo ele, a universidade possui, por exemplo, um dos principais programas de biotecnologia do País, bem como é um dos principais centros de estudos sobre o tratamento do câncer. Também é pioneira, na área de Medicina Veterinária, em estudos de ultrassom para equinos. Na agronomia, desenvolve pesquisas para qualificar as produções de arroz e soja. “Tem muita coisa que é feita no dia a dia da universidade e que impacta diretamente a comunidade”, diz.

Ele destaca ainda que a UFPEL conta hoje com aquele que é provavelmente o principal pesquisador do Brasil. O epidemiologista e professor emérito Cesar Victora foi considerado um dos cientistas mais influentes do mundo pelo levantamento anual da consultoria Clarivate Analytica, que contabiliza o número de citações por artigos publicados nos últimos dez anos e, assim, elabora a lista dos mais referenciados em suas áreas de atuação. A consultoria apurou que o trabalho que Victora desenvolveu resultou em mais de 700 publicações científicas com mais de 26.000 citações no Web of Science. Suas principais contribuições científicas incluem a documentação da importância do aleitamento materno exclusivo para prevenir a mortalidade infantil e a construção de curvas de crescimento infantil atualmente adotadas em mais de 140 países.

“As pesquisas do professor Cesar ajudaram a evitar milhões de mortes de criança no mundo. Lá na década de 1980, quando eles mostraram os efeitos da amamentação exclusiva sobre a saúde da criança, mostrando que as crianças que mamam exclusivamente no peito até os seis meses de idade têm uma saúde melhor do que aquelas que não mamam até essa idade. Depois, todo o estudo das curvas de crescimento, que foram construídas em sete lugares do mundo, um deles é Pelotas. Aquelas curvas, quando a gente tem filhos e vai acompanhando se a criança está desnutrida, está obesa, foram construídas em Pelotas. Quando uma criança está fora da curva, intervenções são feitas. Se não existisse essa curva, que foi construída aqui, a gente não saberia que a criança está desnutrida, está em risco, e não faria nada. Só para dar um exemplo do quanto a universidade contribui para o dia a dia da sociedade”, afirma.