O plano da elite brasileira de destruir o Partido dos Trabalhadores falhou. Por Andy Robinson

Atualizado em 25 de setembro de 2018 às 12:53

Artigo publicado na The Nation

O candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, nos braços da multidão durante comício. Foto: Heuler Andrey/AFP

O plano era o seguinte: negar a legitimidade da vitória de Dilma Rousseff nas eleições em 2014. Estimular o impeachment por uma acusação forjada (pedaladas fiscais para disfarçar um déficit orçamentário). Organizar protestos em massa contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e em apoio aos procuradores anti-corrupção da Lava Jato, que pretendiam condenar Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil e antigo líder petista, por corrupção e lavagem de dinheiro. Incentivar os grandes meios de comunicação, especialmente a poderosa rede Globo, a identificar o PT como a principal causa da corrupção institucional no Brasil. Conseguir apoio internacional à medida em que os prêmios se acumulavam nos escritórios dos procuradores do Lava Jato, formados em Harvard, em Curitiba, e como a machete da revista The Economist levava o título: “Dilma, hora de ir embora”.

Então, uma vez que Rousseff foi deposta, implementar um plano de choque neoliberal – eufemisticamente rotulado pelo novo presidente Michel Temer como a “ponte para o futuro” – com privatizações aceleradas, um incêndio de ativos brasileiros para investidores internacionais, austeridade draconiana e desregulamentação do mercado. Os mercados responderiam e a confiança voltaria. Uma recuperação econômica liderada pelo setor privado lançaria as bases para uma bem-sucedida campanha presidencial do Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), de centro-direita, apoiado por todos os comentadores sensatos de São Paulo, Wall Street e Washington. Lula, sempre uma ameaça devido àquele maldito carisma, seria levado para a prisão. Um governo do PSDB, liderado pelo governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, colocaria o Brasil de volta no caminho neoliberal à medida que a maré rosa da América Latina da década anterior recuasse. Em 2014, isso soou como um plano.

Na semana passada, quando um novo conjunto de pesquisas de opinião apontava para um segundo turno entre o direitista Jair Bolsonaro e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato do PT, o plano estava definitivamente em frangalhos. (O primeiro turno das eleições será realizado em 7 de outubro; se nenhum candidato receber mais de 50 por cento, um segundo turno está marcado para 28 de outubro. Os eleitores elegerão não apenas um novo presidente e vice-presidente, mas também governadores, senadores e deputados.) Alckmin está longe de ser visto. Ele está 10 pontos atrás de Bolsonaro (hoje, são mais de 20 pontos) e, com um eleitorado que ainda se divide entre direita e esquerda, é altamente improvável que possa progredir para o segundo turno. O senador do PSDB Tasso Jereissati anunciou publicamente em 12 de setembro:

“Cometemos alguns erros monumentais: não aceitar o resultado das eleições de 2014 foi um (sempre fomos um partido que defende o establishment e respeita a democracia); apoiar o impeachment [de Dilma] foi outro e entrar no governo de Temer, um terceiro”.

Uma rápida pesquisa eleitoral a menos de três semanas da primeira votação mostra quão exata pode ser a culpa fidedigna de Jereissati. A estratégia do establishment saiu pela culatra magnificamente. O apoio a Lula cresceu de 15% para 40% desde 2016 e parece ter sido impulsionado por seus cinco meses de prisão. A taxa de rejeição do juiz Sérgio Moro, um super-herói no retrato da mídia, é agora maior do que a de Lula, o homem que ele colocou na prisão. O impeachment de Dilma agora é considerado retrospectivamente por uma grande parte do eleitorado como um golpe de estado. Também impulsionou a ascensão de Bolsonaro, iniciada por comícios de direita em massa, coreografados pela mídia da Globo e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), cujo gigante pato inflável liderou o caminho que percorria a Avenida Paulista.

No que diz respeito ao apoio internacional, Lula acumulou a maior parte dele recentemente, ajudado por um artigo seu no The New York Times e um apelo do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que ele possa concorrer como candidato. O plano de direita para a recuperação econômica está morto na água. Um pontinho de curta duração, enquanto os mercados receberam bem o fim de Dilma, foi seguido por estagnação, com o desemprego agora em níveis recordes e a pobreza em alta novamente. O PIB caiu 7% entre 2014 e 2017 e a renda familiar média, 14%.

O investimento privado não se recuperou, como previa o plano da instituição, mas na verdade foi atingido pelo colapso austero do investimento público. Os gastos do consumidor despencaram, enquanto a frágil nova classe média que surgiu durante a presidência de Lula encara a pobreza mais uma vez. A austeridade – previsivelmente, dada a experiência da Europa – simplesmente consolidou a recessão, ao mesmo tempo em que reverte o progresso do Brasil no combate à pobreza. A mortalidade infantil aumentou 5% em 2016, e o Brasil fica atrás da Venezuela no cumprimento das metas de desenvolvimento humano.

O ministro das Finanças de Temer, Henrique Meirelles, mostrou-se audacioso o suficiente para decidir concorrer às eleições, mas está mostrando uma taxa de apoio de apenas 3%. Seus anúncios eleitorais mudaram recentemente, voltando à sua posição de gerente do Banco Central durante o governo Lula. É cômico assistir.

“O que aconteceu é que grande parte do eleitorado achava que o PT era o partido culpado pela recessão. A popularidade de Lula atingiu o ponto mais baixo na recessão, mas à medida que a economia estagnou, as pessoas estão lembrando os anos de bonança com Lula e seu apoio cresceu”, diz Josué Medeiros, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A estratégia prisional de Lula, coordenando de sua cela a tarefa impossível de reconstruir o apoio ao PT, contrasta com o plano do establishment, criado em salas de diretoria e restaurantes de luxo. Como Lula prevê, a transferência de votos para Haddad agora parece bem encaminhada. Na última pesquisa do Ibope, o apoio de Haddad mais do que dobrou em menos de uma semana, para 19%, atrás apenas dos 28% de Bolsonaro. Em uma carta lida em voz alta na vigília do lado de fora da prisão de Curitiba, onde Lula está sendo realizada, o líder histórico da esquerda brasileira declarou: “Lula agora é Haddad”.

“Eu sempre considerei Lula como um gênio político; depois do que ele fez na prisão, acho que ele é um mago ”, disse Aldo Zaiden, psicólogo de São Paulo.

Em um segundo turno com Bolsonaro, Haddad, ex-ministro da Educação de Lula, seria o favorito, já que a taxa de rejeição de Bolsonaro é enorme (mais de 40%). Mas no Brasil isso significaria a perspectiva, horripilante à direita, de outro governo do PT apenas três anos depois que os bancos e líderes empresariais alertaram ameaçadoramente para um caminho bolivariano no Brasil. Apenas um outro candidato, Ciro Gomes, parece ter alguma chance de derrotar Haddad e, assim, se se juntar a Bolsonaro no segundo turno. Mas Gomes pode oferecer pouco conforto ao establishment. Ele é um nacionalista de esquerda que se opõe ferozmente à austeridade e à privatização e até se comprometeu a bloquear a anunciada venda da fabricante de aviões brasileira Embraer à Boeing.

Marina Silva, um possível último recurso para a elite brasileira e investidores internacionais, graças à sua mistura original de política econômica neoliberal e proteção ambiental, está perdendo apoio mais uma vez, em sua terceira tentativa na presidência.

O fracasso catastrófico do plano do establishment paulista de apagar o PT da política brasileira levanta uma questão intrigante: com Meirelles e Alckmin próximos a ele, o establishment e os mercados globais mudarão seu apoio à figura extremamente desagradável de Jair Bolsonaro? Embora os alertas de fascismo iminente possam ser exagerados nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil, Bolsonaro está preocupantemente próximo da realidade. Ele defendeu abertamente a necessidade de intervenção militar e nomeou o recentemente aposentado general Hamilton Mourão como candidato a vice-presidente. Em referência à corrupção, Mourão defendeu publicamente a intervenção das forças armadas para “resolver a questão política” que o Brasil enfrenta agora.

A frase de efeito de Bolsonaro sobre o complexo problema criminal do Brasil é “bandido bom é bandido morto”. Após seu esfaqueamento quase letal no início de setembro, Bolsonaro foi fotografado fazendo um gesto de pistola com dois dedos em sua cama de hospital. Ele também é cruelmente homofóbico e misógino; ele disse a uma deputada do PT durante as audiências de impeachment: “Você é muito feia para ser estuprada”.

Apesar disso, ele pode ser a única opção para os neoliberais. “Estamos agora em uma nova fase do neoliberalismo fascista”, argumentou o sociólogo francês Christian Laval na última sexta-feira em uma reunião eleitoral realizada pelo Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), a alternativa de esquerda de Guilherme Boulos para o PT. Isso impressionou o público do Rio de Janeiro, ainda se recuperando da perda da vereadora de esquerda Marielle Franco, que foi morta a tiros em março deste ano. Enquanto os juízes da Lava Jato se moviam com pressa incomum contra Lula, os assassinos de Marielle ainda estão à solta.

A domesticação de Bolsonaro já pode estar em andamento. Paulo Guedes, seu consultor econômico formado pela Universidade de Chicago, persuadiu o candidato a dispensar seu apoio nacionalista a empresas estatais como a Petrobras. Bolsonaro é agora um privatizador convicto. Wall Street e o establishment dos EUA estão dando uma mãozinha. Guedes, um dos “garotos de Chicago” que trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet, ajudou Bolsonaro a se envolver com investidores e analistas dos mercados emergentes nos Estados Unidos. O candidato visitou Nova Iorque no ano passado, onde foi entusiasticamente recebido por Shannon O’Neil no Council on Foreign Relations. O’Neil não teve escrúpulos ao discutir política com um neofascista brasileiro, mas, como John Ackerman observou em um artigo na The Nation, ela rapidamente alertou sobre o suposto perigo para os interesses americanos de Andrés Manuel López Obrador, que em breve será empossado presidente do México.

Os mercados financeiros parecem estar chegando à ideia de que uma presidência de Bolsonaro seja a única alternativa para vencer o PT. Eles aumentaram à medida que Bolsonaro subiu nas pesquisas, embora o surgimento de Haddad na semana passada os tenha alarmado. Obviamente, Alckmin é o verdadeiro favorito dos investidores globais, o que pode explicar o salto nos preços das ações e da moeda brasileira quando as notícias foram divulgadas sobre o esfaqueamento de Bolsonaro – os mercados talvez esperassem que o ataque se mostrasse letal.

Mas agora que ele não está apenas se recuperando, mas seus índices estão se fortalecendo, há sinais de que ele está ganhando o apoio da elite. “A força de Bolsonaro parece agradar aos investidores”, disse Álvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais. Enquanto isso, os entrevistadores da Rede Globo eram visivelmente menos agressivos com Bolsonaro em sua entrevista na TV do que com Haddad.

Curiosamente, Haddad, um acadêmico da escola de negócios de elite Insper, é na verdade um moderado e, como Lula em 2003, estaria aberto a buscar um modus vivendi nos mercados financeiros. Esta é provavelmente a razão pela qual Lula o escolheu como seu sucessor.

“Haddad reformaria o sistema previdenciário (considerado essencial para a estabilidade fiscal pelos investidores)”, disse Marcelo Mitterhof, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “No Insper, ele teve a oportunidade de conhecer a elite de São Paulo.” Afinal, Lula coabitava muito bem com as megaempresas brasileiras e os gestores de fundos de mercados emergentes nos seus oito anos como presidente. Ele se gabou que era o favorito tanto nas favelas quanto no mercado.

Mas a massiva redistribuição de renda para os intocáveis do Brasil – 40 milhões foram extraídos da pobreza extrema, e outros milhões evoluíram, embora brevemente, para a classe média baixa – enviaram ondas de choque através do sistema de privilégio permanente no Brasil. Isso não pode ser facilmente perdoado nem pela elite nem pela classe média tradicional, cujos rendimentos não aumentaram à taxa dos pobres durante os governos do PT de Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff. As reformas radicais de Haddad na educação, entre 2005 e 2012, trouxeram milhões de jovens da classe trabalhadora para as universidades. Ele aumentou o investimento na educação de 4% do PIB para 6%, concentrando-se em famílias de baixa renda. Isso levantou a possibilidade de uma revolução social no Brasil, o que os privilegiados não querem aceitar.

O dilema para quem exerce poder há tanto tempo no Brasil é real, diz o cientista político Medeiros. Haddad representa o PT, por mais razoável que pareça ser. A base organizacional da esquerda pode se revigorar com uma vitória de Haddad e talvez até por um triunfo de Ciro também.

“Há um cenário em que a esquerda poderia se mobilizar para deter as reformas que os mercados querem”, diz Medeiros. Essa não seria uma perspectiva feliz para os homens de terno na Avenida Paulista, nem para aqueles nas salas subterrâneas do comitê do Congresso corrupto de Brasília.

Mas apoiar Jair Bolsonaro revelaria a verdadeira natureza da elite brasileira, cuja hegemonia, desde a ditadura militar que deixou o poder há três décadas, dependia de seu aparente compromisso com a democracia liberal e um contrato social. Quando Bolsonaro observou durante sua entrevista à Globo que a emissora havia apoiado o golpe militar (1964-1985), a rede teve que transmitir um esclarecimento dizendo que não apoia mais. Elaborar o próximo plano para o establishment exigirá um gênio. Mas Lula está na prisão.

  • Andy Robinson é repórter do La Vanguardia, diário de Barcelona. Agora trabalhando na América Latina, escreveu o livro Un Reportero en la Montaña Mágica.

Tradução: Davi Nogueira