Filosofia na prática: como uma mente serena pode aliviar a dor física. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 9 de setembro de 2015 às 5:46
O filósofo grego
O filósofo


A filosofia existe para que a gente consiga viver melhor. Aceitar a cota de sofrimento inevitável. E só tem sentido se puder ajudar na vida prática de cada um de nós. Todos os grandes pensadores destacaram as ideias acima no que escreveram e pregaram. A filosofia que não é útil pode ser jogada na lata de lixo. Dois temas fascinaram os sábios em seu esforço de auxiliar a todos nós. Isso porque são os maiores fantasmas da humanidade: um é a morte. O outro é a dor física. Os dois assuntos são quase irmãos: a dor nos apavora porque achamos que ela nos levará à morte.

Sabemos que ao nascer estamos condenados a morrer, e ainda assim passamos a vida inteira torturados mentalmente com essa ação banal da natureza. O pavor de morrer conduz a uma vida infeliz. Não há exemplo melhor que o de Sócrates no modo de lidar com a morte, e isso é típico dos maiores filósofos: eles não falaram. Eles agiram. Sócrates tomou a cicuta que o mataria com firmeza e tranquilidade, episódio registrado por seu maior pupilo, Platão, em Fédon.

O que Sócrates fez no caso da morte, Epicuro fez no caso da dor física. “Está em nós, se não aniquilá-la, ao menos diminuir a dor”, escreveu Montaigne, em quem o exemplo de Epicuro causou forte impressão. “Para isso é preciso ter paciência com ela e não deixar a mente fixada no sofrimento”. É irônico que a posteridade tenha dado a Epicuro a duvidosa fama de hedonista, ele que foi simples e frugal ao extremo. Epicuro vivia basicamente de pão, favas e água, e cunhou frases como “a quem pouco não basta, nada basta”.

Epicuro morreu aos 72 anos em meio a grandes dores. “Durante as minhas doenças, não falava a ninguém do que sofria em meu corpo miserável”, escreveu ele. “Quem vinha me visitar não ouvia queixas sobre minhas dores. Queria mostrar a todos que a alma, sem ser insensível às perturbações do corpo, podia no entanto se manter em paz”. Médico nenhum mereceu de Epicuro palavras de súplica, e ele fez questão de registrar isso. “Ao chamar os médicos, não contribuía com a minha fraqueza para lhs fazer tomar ares importantes, como se a vida que eles queriam conservar fosse para mim um grande bem. Mesmo nesse tempo eu vivia calmo e feliz”.

A última carta que Epicuro escreveu ao discípulo e amigo querido Idomeneu mostra como a mente cultivada pode sobrepujar o corpo arruinado. “Esse dia em que te escrevo é o último da minha vida e é também um dia feliz”, afirmou. “Sinto tais dores que nem se poderia imaginar dores mais violentas. Mas esses sofrimentos são compensados pela alegria que traz à minha alma a recordação das nossas conversas”. Contam seus discípulos que nesse dia Epicuro pediu que o colocassem numa bacia de bronze com água quente para mitigar a dor. Depois tomou um pouco de vinho. E morreu conversando com seus discípulos, aos quais recomendou que não abandonassem os preceitos da filosofia. “O que faz com que suportemos tão impacientemente a dor é que não estamos habituados a procurar na alma nossa principal satisfação”, escreveu Montaigne. Epicuro estava. E é por isso que seu exemplo conserva tanta força quase 2.300 anos depois de sua morte.