O preconceito de Bolsonaro em versos: engenheiro explica como é viver como um “paraíba”

Atualizado em 20 de julho de 2019 às 22:20
O preconceito expresso

O engenheiro civil Gustavo Adolfo Medeiros, neto de nordestino, fez um poema sobre os “paraíbas”. É uma obra de alguns anos atrás, que reflete o preconceito expresso por gente como Jair Bolsonaro. Segue:

Isso é um Paraíba

Severino veio num pau-de-Arara.
Sonhava em ter uma vida nova.
Para trás, a família ele deixara.
Para trás, deixava sua cova.

Na cidade, considerado inferior.
Na cidade, não encontrava amor.
A não ser que pagasse por Isso.
Afetividade era mais um Serviço.

Severino estava só na multidão.
Estava só também seu coração.
Na cachaça, matava sua fome.
Na cachaça, a tristeza some.

Sua vida é trabalhar numa portaria.
Sua vida continuava uma porcaria.
Entrava só pela porta de Serviço.
Sua vida não poderia ser só Isso.

Pensava então o Paraíba:

“O Rio tem muita água e alimento.
O Rio da cidade tem sofrimento.
O Rio na cidade é muito poluído.
Não Rio muito, pois sou excluído”.

Severino não tinha outra distração
Que não fosse o radinho de pilha.
No quartinho, o pôster do Mengão.
No quartinho, nenhuma mobília.

Não tinha dentes para a rapadura.
Não tinha dentes, pois a vida é dura.
Por isso, seu sorriso era escondido.
Assim como seu jeito era reprimido.

Sua condição não o impedia de olhar.
Sua condição não o impedia de cheirar.
Sua condição não o impedia de amar.
Sua condição não o impedia de sonhar.

Severino não tinha culpa da paixão.
Quando a via batia forte o coração.
Deu oportunidade para seu sonho.
Deu oportunidade para ser risonho.

A bela mulher lhe disse:

“Você não se enxerga, seu Paraíba.
Não gosto de homem na pindaíba”.
Então, virou as costas dizendo Isso.
Severino voltava então ao Serviço.

Jovens carecas o espancaram na rua.
Jovens carecas observados pela Lua.
O porteiro que tinha saído do Serviço.
Para eles não era nada, somente Isso.

Levado ao hospital, ficou na maca fria.
Sem remédio, o médico apenas ria.
Um objeto que já foi um ser humano.
Um objeto todo coberto por pano.

Não havia ninguém para segurar.
Não havia ninguém para chorar.
Havia só um coveiro pro serviço.
Foi jogado numa gaveta isso.