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O problema da campanha viral “Desafio do Balde de Gelo”

 

A ideia simples se reproduziu como coelho. Você tem 24 horas para se filmar jogando um balde de água com gelo na cabeça — ou doar dinheiro para instituições especializadas na pesquisa da esclerose lateral amiotrófica (ELA), que não tem cura. Findo o banho, a pessoa nomeia outras três para repetirem o gesto.

Celebridades do mundo inteiro embarcaram no Desafio do Balde Gelado. No exterior, a lista vai de Bill Gates a Mark Zuckerberg, passando por modelos como Gisele Bundchen e gente do cinema e da música pop (Lady Gaga conseguiu realizar uma espécie de performance patética). No Brasil, Neymar, Ivete Sangalo, Susana Vieira e que tais tomaram o banho, para alegria de seus fãs.

É algo impensável dez anos atrás. O sucesso financeiro é evidente. De acordo com a revista Forbes, nos EUA a campanha levantou 15,6 milhões de dólares em poucos dias. No ano passado inteiro, o número foi de 64 milhões.

Mas as críticas também não tardaram. A campanha tem sido classificada como “slacktivism” — algo como ativismo preguiçoso ou, melhor ainda, sofativismo. Se alguém quiser dar dinheiro para um hospital, não precisa passar por isso.

A esclerose lateral amiotrófica causa a degeneração dos neurônios motores, que controlam os movimentos voluntários dos músculos. Costuma ser fatal, com raros casos de sobrevivência longeva, como o do cientista Stephen Hawking.

Calcula-se que, no Brasil, 6 mil pessoas tenham ELA. Em tese, a campanha aumentou o conhecimento dessa condição. Mas é verdade? Quantos desses famosos mencionam a doença ao participar do desafio? Nenhum.

Causas que envolvem famosos costumam ser vistas com desconfiança — e não sem razão. Acabam virando uma maneira incrível de chamar atenção para eles mesmas, sobretudo. A hashtag “somostodosmacacos” veio como foi. O racismo no futebol continua firme e forte.

Instituições que vivem da filantropia precisam de regularidade. Para citar apenas um exemplo, o grupo Meninos do Morumbi, que cuida de crianças carentes das favelas naquele bairro de São Paulo, corre o risco de fechar as portas porque, basicamente, ninguém mais se recorda que eles existem.

É notável o montante arrecadado por uma campanha como essa e a velocidade com que ela viralizou. Mas é sustentável? É suficiente? Em 2015, as entidades voltarão ao patamar de doações de sempre e o Desafio do Balde de Gelo não será lembrado por ninguém. Mais ou menos como o Harlem Shake.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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