O processo de Carlos Fernando no Conselho do MP e a imagem da justiça na lama. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 15 de maio de 2018 às 10:38
Carlos Fernando dos Santos Lima

O ministério público não é um órgão do poder judiciário, mas se confunde com ele na prática do direito brasileiro. Por exemplo, difícil entender por que, na justiça federal, os procuradores se sentam ao lado do juiz, na parte mais alta da sala, enquanto o advogado fica ao lado no réu, na mesa embaixo. Ambos são partes do mesmo processo.

Há alguns anos, um juiz federal em São Paulo que sofreu na carne a sanha persecutória dos membros do ministério público federal determinou, ao reassumir o cargo, que os procuradores se sentassem na mesa, assim como os advogados.

Houve revolta e, depois de muita discussão, os membros do ministério oúblico voltaram a contemplar a audiência do alto do patíbulo destinado aos magistrados.

Os procuradores ficaram mal acostumados e, de privilégio em privilégio, chegaram a um ponto em que a sociedade terá de definir: ou convive com uma casta que se mantém intocável ou lhe coloca limites, dentro do que estabelece a lei e a Constituição.

A oportunidade começa hoje.

O Conselho Nacional do Ministério Público decidirá se dá prosseguimento ou não a um processo disciplinar movido contra o loquaz Carlos Fernando dos Santos Lima, o procurador mais experiente da Lava Jato, ideólogo da operação, uma espécie de guru de Deltan Dallagnol.

Ele chamou Michel Temer de “leviano, inconsequente e calunioso”, porque este disse que o então procurador geral da república Rodrigo Janot recebia acima do teto constitucional e questionou a legalidade dos penduricalhos que fazem dos membros do Ministério Público uma casta de servidores com supersalários.

Temer não disse nenhuma mentira. O próprio Carlos Fernando dos Santos Lima recebe acima do teto e, assim como os colegas, dá um olé na legislação tributária para pagar menos imposto do que o brasileiro comum.

Segundo levantamento do Estadão, um terço dos vencimentos deles não está sujeita à tributação.

É o caso do auxílio-moradia, no valor de R$ 4.377,73. Embolsam o dinheiro mesmo quando, casados com procurador ou procuradora, o cônjuge também recebe o penduricalho ou quando têm imóvel próprio na cidade em que trabalham — caso de Carlos Fernando.

Em dezembro, conforme reportagem que publiquei em março, Carlos Fernando teve vencimentos totais de R$ 79.408,09. E não era apenas por causa do 13o. Os seus gordos contracheques — às vezes, eles têm mais de um no mesmo mês — informam que ele estava recebendo apenas 50% do 13o. A outra parcela já tinha embolsado meses antes.

Carlos Fernando dos Santos Lima não está acima da lei, nem abaixo. Mas se comporta como se estivesse acima.

Na origem do do julgamento de hoje, o Conselho Nacional do Ministério Público analisou reclamação de Lula contra Carlos Fernando, por ataques que sofreu na rede social e em entrevistas do procurador.

Na decisão, o relator não viu motivo para abrir processo, mas recomendou que Carlos Fernando “deixasse de expressar opiniões sobre políticos, partidos e investigados pela operação”, de forma a preservar “a integridade, a solidez, a isenção e a credibilidade como valores” de integrantes do MP.

Não adiantou. Carlos Fernando, respaldado por manifestações da corporação, continuou fazendo uso da rede social para atacar quem ele julga que merece ser atacado. E foi para cima de Temer — no recurso, os advogados de Lula citaram esse caso e, com base nele, o Conselho decidiu desarquivar a reclamação e decide hoje se processa Carlos Fernando.

Os procuradores, antes mesmo da análise, emitiram nota, para pressionar o Conselho. Disseram, entre outras coisas, que Carlos Fernando “corre o risco de ser submetido a pena disciplinar de censura pública, apenas por dizer o que pensa”. Vieram com o discurso surrado de que estão tentando colocar uma mordaça nos representantes do ministério público.

Nada mais enganoso. Com esse discurso, conseguiu-se em 2013 alterar a pauta das manifestações de rua. Na época, se reclamava contra o aumento no valor da tarifa e por uma nova política de transporte público, mas, estranhamente, começaram a aparecer nos protestos cartazes com a frase Não à PEC 37.

A tal PEC era um projeto de emenda constitucional que definia quais são os poderes da polícia e do ministério público na investigação: a polícia investiga, o MP faz o controle externo da polícia, mas não investiga diretamente.

O objetivo é preservar o equilíbrio da acusação e dar aos procuradores mais serenidade na sua atuação. Não significa impunidade, mas uma barreira contra abusos. Quem fiscaliza o fiscal?

Com as manifestações nas ruas, a PEC 37 acabou rejeitada, e o MP ganhou ainda mais musculatura. A rejeição da PEC 37 foi, a rigor, a única mudança legal que ocorreu no parlamento em decorrência das chamadas jornadas de junho de 2013.

Hoje, como se vê pela última pesquisa, a população não está satisfeita com os resultados da ação desse poder conferido, levando em consideração que, na prática, o trabalho do ministério público se confunde com o do poder judiciário.

É o que o revela a pesquisa CNT/MDA, divulgada ontem:

Ao todo, 55,7% desaprovam atuação da justiça, 89,3% desconfiam dela e 90,3% afirmam que ela não trata todos de maneira igual. No universo dos 55,7% que disseram desaprovar a atuação da Justiça, 18,9% avaliaram sua atuação como ruim e 36,8%, como péssima. É uma imagem pior que a de muitos políticos que a Lava Jato diz combater.