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O projeto de negros como Holiday, do MBL, é salvar a própria pele. Por Cidinha da Silva

Holiday na Câmara, a convite dos amigos do DEM

 

Convidado pelo Democratas para representar o Movimento Brasil Livre na sessão plenária que tratou do dia 21 de março, Dia Internacional de Luta Pelo Fim da Discriminação Racial, Fernando Holiday, o verborrágico, ressurgiu das cinzas.

Numa performance cênica com direito a rasgar o roteiro da sessão destinando-o à lata de lixo, Holiday, o conhecido jovem negro de direita, esgarçou os ouvidos da audiência por dois ou três longos minutos.

A essência de suas declarações foi opor a natureza do convite à sessão, ou seja, uma reunião de desagravo às práticas de discriminação racial, ao que ele, Holiday, considerou “declarações do mais puro racismo”, proferidas, a maior parte delas, por negros oriundos de movimentos sociais que demarcavam a luta por ampliação de direitos para a população negra.

Disse Holiday em tom acusatório: “Dane-se se somos todos seres humanos. Dane-se se somos todos da mesma nação. Vocês (da esquerda) só enxergam a cor da pele, a opção sexual e a partir disso criam o perfil de uma pessoa”.

O coordenador do MBL criticou também as cotas raciais, professando a crença de que “os negros, podem sim, alcançar a vitória, mas não por meio das migalhas do Estado”.

O papel desempenhado por Holiday não é novo, ao contrário, é velho conhecido nos países de colonização portuguesa. Não chega a ser o papel dos “assimilados”, figuras locais de Moçambique, Angola, que muitas vezes, em nome de um projeto de libertação familiar, principalmente via educação, aceitavam o sobrenome português e outras normas de assimilação da cultura lusitana para que seus filhos tivessem melhores oportunidades.

Não chega a ser isso porque Holiday não tem projeto coletivo. Ele desempenha o papel de negro da casa grande, aquele que goza de algumas benesses, tais como comer as sobras dos donos da casa ou dormir fora da senzala. E procura a todo o custo, inclusive o de delação dos planos de fuga dos negros aquilombados, salvar a própria pele.

Holiday padece do anacronismo de ser um negro de direita. Esse é seu principal problema. Sueli Carneiro já nos alertou em entrevista de mais de uma década, que se não sabíamos qual era o projeto da esquerda para os negros no Brasil, tínhamos consciência plena do projeto da direita. E é inacreditável que este garoto e outros, nos dias de hoje, creiam que salvarão a própria pele ao se juntar aos algozes.

Outro problema é, numa sessão do Congresso Nacional que lembrou o assassinato de 69 negros e 186 feridos numa manifestação de 20 mil pessoas em Sharpeville, África do Sul, no dia 21 de março de 1960, contra a Lei do Passe, pelo simples direito de ir e vir em liberdade, que um jovem negro, escolarizado, coloque sua boa oratória a serviço da direita mais retrógrada do país, o DEM.

O deputado Vicentinho, talvez imbuído de sua condição de pai e de católico praticante, tem compaixão por Holiday e o considera um pobre jovem negro manipulado pela direita.

Penso diferente. Penso que esse menino e outros que gravitam pelas esferas da direita deveriam estudar a fundo o exemplo de Celso Pitta, abandonado, defenestrado e simbolicamente morto pela direita que o conduziu ao topo da montanha.

Deveriam também dar alguma atenção ao chefe e padrinho de Pitta, Paulo Maluf, vivíssimo, perseguido pela Interpol, mas ungido pela Câmara dos Deputados que lhe permitiu a condição de votante na Comissão de Impeachment à Presidenta Dilma.

Pitta e Maluf são emblemáticos dos destinos de corruptos negros e brancos no Brasil. Corruptos de direita. O branco com uma folha corrida bem mais extensa e longeva que a do negro, mas absolvido, na prática.

Harriet Tubman, certamente desconhecida de Holiday, foi uma escravizada nascida em 1820, no estado da Filadélfia, EUA. Cresceu, fugiu, organizou dezenas de expedições de fuga, libertou cerca de 300 escravizados e os encaminhou a outros estados onde pudessem viver longe do alcance dos escravizadores. Lutou na Guerra de Secessão, liderou uma frente armada contra os escravistas do Sul e libertou mais 700 escravizados.

A grande abolicionista morreu aos 93 anos vividos em nome da resistência pela liberdade. Imortalizou a seguinte reflexão que apresento a Holiday: “Libertei muitos escravos e teria libertado muitos mais, se pelo menos eles soubessem que eram escravos”.

Cidinha Silva

Cidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte, é escritora. Autora de "Racismo no Brasil e afetos correlatos" (2013) e "Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil" (2014), entre outros.

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