O promotor Zagallo deve ser punido por seu delírio fascista

Atualizado em 10 de junho de 2013 às 15:12

Ao desejar a morte de manifestantes e declarar que “essa região faz parte do meu Tribunal”, ele rompe com o estado de direito.

Ele
Ele

Quando vi a reprodução da postagem do promotor Rogério Zagallo, a primeira coisa que perguntei foi se era verdadeiro aquilo. Não que o tivesse em boa conta, muito pelo contrário, mas não imaginei que seus delírios chegassem a tanto. Zagallo disse o seguinte: “Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial. Petistas de merda. Filhos da puta.”

Preocupado com a repercussão, ele emendou depois que era só um desabafo e que não estava agindo como promotor de justiça.

Zagallo ficou famoso pelo fundamento usado em um requerimento de arquivamento de um inquérito em que um policial matou um homem que o tentara roubar. Depois de ser sarcástico — “para desgosto dos defensores dos Direitos Humanos de plantão” —, justificou o arquivamento: “Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas um dos rapinantes enviados para o inferno. Fica aqui o conselho para Marcos Antônio: melhore sua mira…”.

Não sei se, nesse caso, houve legítima defesa que justificasse o arquivamento. Mas sei que o fundamento é uma afronta à lei. O que justifica o ato de matar alguém, em tais circunstâncias, é a defesa da própria vida ou de outra pessoa. No instante em que não há mais agressão — tiros — cessa a possibilidade de defender-se legitimamente. Se alguém atira contra um policial e foge, não pode ser morto como vingança. Quando ele escreve que quem dá tiro contra policial tem que morrer, ele está fazendo uma clara apologia da violência como vendetta.

Além dos termos chulos, chama a atenção uma incapacidade de lidar com uma manifestação popular, a ponto de louvar a ditadura militar, a Rota ou seja lá o que for, ao falar que sente saudade do tempo em que se resolvia isso com “borrachada nas costas”.

Mas o pior ainda não é isso.

Ao declarar que “essa região” faz parte do “meu Tribunal do Júri”, ele revela uma falta de noção de valores republicanos, pois fala de seu poder – não um poder público, com limitações estabelecidas em lei, mas como se fosse pessoal, despótico, exercido conforme seu arbítrio. Um Estado Democrático de Direito pressupõe, sobretudo, a limitação do poder, de modo que quem exerce qualquer cargo público está subordinado à legalidade.

zagallo
O post

Quando avisa que se um policial matar um dos manifestantes, ele arquivaria o inquérito, o delírio fascista chega ao extremo. Primeiro porque promotor não arquiva, mas requer o arquivamento. Isso significa que sua manifestação está sujeita ao controle de legalidade feito pelo juiz. Se este não concordar, remete para o Procurador Geral de Justiça. Segundo, porque se um PM assassinar alguém pelo simples motivo de que essa pessoa está em uma manifestação, terá ocorrido um homicídio. Em uma hipótese absurda como essa, o dever do promotor seria oferecer denúncia contra o PM por crime.

Esse tipo de pessoa é o que mais temo e lastimo como professor de direito penal. É aquele que frequenta uma faculdade e se apodera dos conhecimentos jurídicos apenas para a aprovação em um concurso público. Depois disso, ele não faz outra coisa senão negar o direito. Ele se vale do conhecimento jurídico para a ascensão econômica, mas no exercício da atividade ele avilta o direito.

A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo exige dos membros do MP um comportamento digno. Um dos deveres funcionais do membro do MP é “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”. No art. 173, inciso VI, constitui infração disciplinar o descumprimento dos deveres funcionais previstos no art. 169, dentre os quais o de zelar pela dignidade de suas funções.

No art. 232, poderá ocorrer “correição extraordinária” para a apuração de “atos que comprometam o prestígio ou a dignidade da Instituição”.

É difícil saber qual seria a pena aplicável (advertência, censura ou suspensão). Mas a manifestação de Zagallo causou perplexidade nas pessoas sensatas – e na comunidade jurídica, de modo que se espera a rigorosa apuração da Corregedoria do Ministério Público.