O protesto pela morte do dançarino Douglas e a visibilidade dos invisíveis

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 16:14
Maria de Fátima, mãe de Douglas, com a foto do filho
Maria de Fátima, mãe de Douglas, com a foto do filho

 

Na noite de segunda-feira ocorreu um tiroteio entre policiais e traficantes na favela Pavão-Pavãozinho. Douglas Rafael da Silva Pereira, dançarino que fazia participações no programa de Regina Casé, não retornou para casa naquela noite.

Douglas, conhecido como DG, morava com a mãe em Copacabana, mas sempre frequentou o Pavão-Pavãozinho. Era lá que ocorriam os ensaios das coreografias do programa Esquenta.

O dançarino apareceu morto na manhã de ontem. Foi encontrado próximo a uma escola com marcas de espancamento. Suas costelas estavam quebradas. “O muro da escola está todo raspado, cheio de sangue. Ele não levou tiro, mas apanhou até morrer. O corpo estava em posição de defesa”, relatou Maria de Fátima da Silva, mãe de DG. Ela acusa policiais de terem espancado o filho até a morte.

Com mais uma morte mal explicada em situações que envolvem a polícia, moradores tomaram as ruas e o cenário de terror se ampliou. Como resultado, no protesto pela morte de uma pessoa obtivemos mais outra morte (um homem de cerca de 30 anos, ainda não identificado, levou um tiro na cabeça) e um menino de 12 anos foi baleado.

É praxe nessas ocorrências ouvirmos e lermos que “o protesto ocorreu após a morte de um bandido”. É um processo de rotulação, identificação e julgamento. E assim se eterniza a alienação, o preconceito contra a periferia, contra os pretos-pobres. A polícia não deixa por menos e faz a lição de casa igualmente.

Não há como dissociar a alienação, a desinformação e a ignorância como corresponsáveis pelos casos como o do dançarino DG. E não é só aqui. Uma pesquisa recente, feita para saber a opinião dos americanos acerca de uma intervenção na crise da Ucrânia possuía basicamente duas perguntas apenas. Se o cidadão era a favor ou contra a intervenção e se ele tinha condições de apontar em um mapa, onde se situava a Ucrânia. Para além da já anedótica falta de conhecimento de geografia dos americanos (apenas 16% localizaram o país corretamente) o dado mais perturbador, mas não menos previsível, foi o de que quanto mais longe do alvo o pesquisado apontava no mapa, mais ele era favorável à intervenção militar.

Algum paralelo com o que vivemos aqui? A classe média dispara perdigotos quando o assunto é favela. Não sabe onde é, nunca entrou em uma, mas acredita que tocar fogo nos barracos ou instalar uma UPP resolveria o problema. Sua empregada doméstica, seu funcionário da firma, muito provavelmente moram em uma comunidade dessas. E aí?

Há semanas, o ator Vinícius Romão foi identificado como autor de um assalto. A cor de sua pele foi determinante. Ficou preso durante 16 dias. Por se tratar de alguém “da Globo” e isso colaborou para um desenrolar mais expedito. Casos como o dele, só que com anônimos, ocorrem todos os dias.

Esse não foi o primeiro protesto por causa de arbitrariedades na periferia e não será o último. Os pobres não são invisíveis, estão ao seu lado e é bom ir se acostumando com isso.