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O protofascismo encontrou, em Brasília, o habitat natural. Por Leandro Fortes

Manifestação bolsonarista em Brasília.
Hugo Barreto/ Metrópoles

O vai e vem de carretas do agronegócio pelas largas avenidas que cortam o Setor Militar Urbano, em Brasília, é controlado informalmente por pequenas guarnições de voluntários vestidos de verde amarelo. Usam, quase sempre, camisas da CBF, os mais básicos, mas há os cobertos por exageros: bandeiras do Brasil, bandanas, tocas, chapéus, bonés, capas. São os uniformes das vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar, como uma vez disse o marechal Castello Branco – ele mesmo golpista de primeira hora, primeiro presidente da ditadura instalada no Brasil, em 1964.

É uma tropa que cresce a olhos vistos, mesmo sob as chuvas torrenciais que fazem o céu do cerrado cair sobre a capital, no mês de novembro. Filas de carros de luxo passeiam entre as carretas e despejam víveres e pessoas, cada vez em maior volume, que se dispersam na imensidão da avenida central do SMU, em frente ao Quartel General do Exército, por essas bandas chamado de Forte Apache.

Caminhoneiros bolsonaristas bloqueiam estradas no DF. Crédito: Minervino Junior/D.A Press

Nunca se viu nada parecido no Planalto Central, seja em organização, seja em fartura. Centenas de barracas oferecem até cinco refeições por dia enquanto caminhões de som alegram os infelizes com uma sucessão enlouquecedora e permanente de hinos pátrios, do Nacional ao da Independência, do da Bandeira ao da Infantaria, do do Soldado ao do Aviador. O abre e fecha dos banheiros químicos joga no ar um mau cheiro de merda e desinfetante que se mistura à fumaça das barracas de comida com luxuosa estrutura de cozinhas industriais. É nessa atmosfera nauseabunda que o bolsonarismo ainda encontra espaço para respirar.

Há os que cantam e há os que rezam, uma lamúria que se estende pelo asfalto e faz levantar, sobre as cabeças, pesadas faixas de vinil onde se pode ler todo tipo de barbaridade antidemocrática, variações do mesmo tema golpista que gravita em torno da pulsão fascista por um golpe militar. Há crianças, muitas delas encolhidas pelo frio, nessa jornada de insensatez tocada pela classe média ultrarreacionária da capital federal. Uma horda majoritariamente formada por uma elite branca do serviço público local beneficiada pelos concursos abertos nos governos do PT. Ocupam as carreiras de Estado mais bem remuneradas do País, mas se organizam para idolatrar um protofascismo visceralmente ligado ao neoliberalismo. Estúpidos, amam a semente da própria extinção.

De longe, observam as sentinelas. Mais de longe ainda, os generais, certos de que esses espantalhos com a camisa canarinho ainda vão lhes ser úteis, se não para um improvável golpe militar, ao menos para lhes garantir a tradição covarde da tutela sobre a vida civil brasileira.

Veremos, portanto, o que fará, a partir de 1º de janeiro de 2023, no futuro comandante-supremo das Forças Armadas – se deixa o barco correr ou manda essas turbas para a casa. Uns, para o pijama, outros, para a prisão.

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Leandro Fortes

Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor. Trabalhou para o Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Estadão, Revista Época e Carta Capital.

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Leandro Fortes

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