“O PSDB não existe mais”: a entrevista de um militantes histórico ao DCM. Por José Cássio

Atualizado em 31 de maio de 2019 às 14:49
Botton, ao lado de Floriano Pesaro, num encontro do PSDB: “Não vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação”

O PSDB que chega a sua 15ª Convenção Nacional nesta sexta-feira, 31, em Brasília, é um partido fadado a mudar com um roteiro de ‘cartas marcadas’.

Pela primeira vez desde a sua fundação por Franco Montoro, na segunda metade da década de 80, não terá delegados com direito a voto na escolha da nova Executiva indicados pela base do partido.

No Estado de São Paulo, os delegados – há dúvidas em relação ao número exato, 124, um pouco mais, um pouco menos – foram indicados por prefeitos, vereadores, deputados e lideranças da legenda e só nomeados após consentimento do governador João Doria.

A articulação faz parte do processo hegemônico que pretende levar o PSDB para o campo conservador e garantir as condições para que o gestor concorra à presidência em 2022, disputando o voto da extrema direita com Jair Bolsonaro.

No encerramento da votação, previsto para às 13 horas, ainda no palanque, Doria vai tirar da manga do colete um pedaço de papel e anunciar o ex-deputado (PE) Bruno Araújo como presidente, a senadora Mara Gabrilli vice, o novo presidente do Instituto Teotônio Vilela e os demais membros da Executiva, num outro flagrante desrespeito ao estatuto que determina que os cargos sejam preenchidos após votação na primeira reunião dos novos membros eleitos.

Além de delegados nomeados a dedo, sem passar pelo crivo da votação pelos militantes, Doria mandou promover uma verdadeira limpa na estrutura partidária estadual: dezenas de diretórios de cidades do interior onde perdeu a eleição para Márcio França no ano passado foram destituídos.

Cidades importantes como Santos, Osasco, Embu das Artes, Pindamonhangaba (terra do ex-governador Geraldo Alckmin) sofreram intervenção.

Além dessas, foram retaliadas outras, especialmente na Baixada Santista, Vale do Paraíba, Vale do Ribeira e pequenos municípios na região de São José do Rio Preto, área de influência do vice-governador Rodrigo Garcia (DEM).

Nelson Botton é um militante histórico do PSDB e, por fazer parte do grupo Esquerda Pra Valer, foi escanteado e não terá direito a voto na Convenção.

Botton foi primeiro suplente na candidatura de José Anibal ao Senado em 2002, e sempre disputou, e ganhou, nas urnas, o cargo de delegado nacional.

“Sempre fui delegado para as convenções: Municipal, Estadual e Nacional, conquista feita no voto da militância”, disse ele nesta entrevista ao DCM. “Agora, resolveram fechar este canal democrático”.

Qual a sua avaliação sobre o atual momento do PSDB?

Está em uma transição acelerada, deixando de ser uma parte Social Democrata da sociedade, para ser um cartorário neoliberal.

Não há mais discussões, debates, reuniões com a militância e nem fechamento de questões. O partido não tem projetos e nem metas que não as poucas bandeiras que sobraram em nossa Carta Programa.

Hoje só se fala em gestão e zeladoria. As utopias a serem alcançadas passam longe das preocupações. Dizem-se até apolíticos. Não são de direita nem de esquerda, são gestores…

O governador João Doria mandou fazer uma pesquisa com o propósito de mudar o nome do partido. Qual a sua opinião sobre isso?

É muito bom ser verdadeiro. O PSDB não existe mais.

Seus propósitos de fundação eram muito Ideológicos.

Havia um sonho a ser perseguido e através das convicções e conquistas sociais é que se ganhava a aprovação da Nação.
Chegamos rapidamente ao poder. Agora é só o imediato. A preocupação maior é o que dá voto já.

O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, teve 4,6% dos votos na última eleição: o que explica um desempenho tão ruim?
Não o coloca na cesta dos derrotados. Foi o mais leal possível. O tempo vai contar. Saímos da espada para cair na caldeira.
Em 30 anos, o que mudou no PSDB?

Mudar é a dinâmica da vida, natural, mas tem fundamentos na justificativa do Partido que não se esgotaram.

A política do bem estar, a justiça social, os avanços da cidadania, as conquistas das minorias, o estado de direitos, as garantias constitucionais, a liberdade de expressão e acima de tudo o combate às desigualdades sociais.

O PSDB está esquecendo as boas lições de antigos mestres. Na eleição municipal de 2008, o partido se dividiu: uma parte apoiou o candidato Geraldo Alckmin a prefeito de São Paulo, e outra, comandada pelo então governador José Serra trabalhou pela reeleição do prefeito Gilberto Kassab.

Que consequências essa divisão teve para o partido?

Desagregação. Mas isto já vinha sendo provocado desde a eleição municipal de 2004, com as prévias. O PSDB não sabe fazer isto, é fratricídio.

O PSDB é muito bom quando está unido na representatividade dos líderes e na confiança da militância.

O atual presidente do diretório municipal de São Paulo, Fernando Alfredo, é um militante ativo, mas não tem experiência em funções mais importantes na estrutura do partido. Acha que ele está habilitado para conduzir o PSDB em 2020, quando o prefeito Bruno Covas vai buscar a reeleição?

Sempre defendi que os presidentes dos Diretórios tenham militância comprovada, não sejam parlamentares e não tenham cargos de destaque no executivo.
Os interesses são diferentes, ou deveriam ser.

Quanto ao Fernandão, a tarefa dele é mais de bom senso. Capacidade ele tem. Ficará mais fácil se realmente for sincero e mudar o nome da sigla para que não se confunda com a ideologia Social Democrata.
Considero a ideologia como um Manual do Proprietário. Se você tem isto nos seus sentidos, tem um caráter distinto.

O partido encaminhou pela expulsão o militante Fernando Guimarães porque criou um grupo de protesto ao presidente Jair Bolsonaro e nesse grupo integram petistas como Fernando Haddad e Eduardo Suplicy. Você concorda com a expulsão?

Isto só pode ser uma contenda pessoal. O Fefo é muito inteligente, democrata, agregador e participativo.

Perde muito o partido sem ele. Perde um pouco mais da parte bonita de sua história. Deve incomodar os intolerantes com as críticas.

Além do que, neste encontro, estavam outros tucanos, inclusive eu, que com muita honra agradeço o convite.

É fato que, por inúmeras vezes no passado, as forças em defesa das conquistas dos direitos democráticos estiveram juntas.

Ele merecia uma homenagem por ser um dos responsáveis pelo ato. Um tucano de carteirinha.

O que os partidos fazem no governo, cabe à justiça condenar e punir, mas o que representam na sociedade com sua capacidade de mobilização é o que conta com a força viva.

Penso que, se expulsarem, perdem de vez o respeito pela democracia representativa, apesar de que, nesta reunião, ninguém oficializou a participação do PSDB, a não ser pela sua filiação.

Qual é o PSDB que vai sair da Convenção nacional?

Não vejo vir vindo no vento um cheiro de nova estação.