Haverá um momento em que a mídia brasileira pedirá perdão pelo conluio com a Lava Jato, como fez com relação ao golpe de 64.
Não por decência, mas por questão de sobrevivência. O abraço do afogado com os fracassados Moro e Dallagnol está fora de questão.
A parceria com a República de Curitiba é, de longe, o momento mais baixo da imprensa brasileira em mais de 50 anos.
Vazamentos de delações passados para repórteres amigos viraram “jornalismo investigativo”. Deltan posou com gente da imprensa que um colega chamava de “abutres” que terminavam o serviço dos procuradores.
Na Globo, a palhaçada incluiu uma certa “sala de guerra” para dar conta do caso Odebrecht. A Veja se encaminhou de vez para o esgoto.
“Vocês criaram falsos heróis”, disse Gilmar Mendes, que reforçou o fato óbvio de que essa tragédia não ocorreria sem a imprensa.
Nos EUA, durante a Guerra do Iraque, inventaram os jornalistas embedded, ou embutidos, que davam a versão dos americanos.
Os maiores meios de comunicação embarcaram com força e com vontade na farsa das armas de destruição em massa de Saddam Hussein e fizeram propaganda descarada de George W. Bush.
Houve, porém, um mea culpa de alguns dos principais grupos de comunicação e profissionais que divulgaram essa cascata.
Em 2013, Greg Mitchell, autor de um livro sobre os erros da mídia na cobertura da guerra do Iraque chamado “So Wrong For So Long (Tão Errada Por Tanto Tempo)”, escreveu um artigo sobre os 10 anos do conflito recusado pelo Washington Post.
A justificativa foi que o trabalho não oferecia análise ou insights mais amplos.
Mitchell não engoliu o motivo da recusa. Em seu lugar, entrou outro colunista, defendendo o papel da imprensa durante o conflito.
Ele resolveu postar o artigo em seu blog. Rapidamente se tornou viral.
“O New York Times, ao menos, clamou por cautela em editoriais em 2003. Já o Washington Post fez ao menos 27 editoriais a favor da guerra no mesmo período”, disse.
Aqui vão alguns trechos do texto de Mitchell que o WP não quis colocar em suas páginas.
Durante algum tempo, em 2003, a palavra Iraque significava nunca ter de pedir perdão. A ofensiva da primavera havia produzido uma vitória em menos de três semanas, com uma taxa de mortalidade relativamente baixa entre americanos e civis iraquianos. Saddam fugiu e George W. Bush e sua equipe receberam elogios esmagadores, pelo menos aqui em casa.
Mas espere. Onde estavam as multidões saudando-nos como “libertadores”? Por que os iraquianos agora estão atirando uns nos outros – e explodindo nossos soldados? E onde estavam as armas de destruição em massa e materiais nucleares? A maioria dos americanos apoiou a invasão, por isso ainda era muito cedo para mea culpas.
Em 2004, ficou claro que as armas de Saddam nunca seriam encontradas, mas com uma nova eleição a caminho, “desculpe” ainda era a palavra mais difícil de falar. Mas alguns lampejos muito limitados de prestação de contas começaram a aparecer.
Bush e muitos outros – incluindo dezenas de democratas – que afirmaram que as provas de armas de destruição em massa eram batata agora admitem que essa inteligência de guerra estava abaixo da média. Mas não os culpo! Eles simplesmente tinham sido enganados. Judith Miller, do New York Times, talvez a primeira fabulista no período de preparação para a guerra, explicou que era tão boa quanto suas fontes, que tinham nomes como “Guy Red Cap” e “Curveball”.
Mas os meios de comunicação, que na maior parte haviam engolido toda a história das armas, não apoiaram a reeleição e, portanto, algumas autocríticas, pelo menos, aconteceram.
A Mini Culpa: esta expressão foi cunhada por Jack Shafer, da Slate, após o New York Times publicar uma “nota dos editores”, em maio de 2004, admitindo que tinha “publicando artigos problemáticos” (não mencionou nenhum dos autores) sobre o Iraque, mas salientando que foi “enganado”, como a maioria, no governo Bush.
Ao contrário do Times, os editores do Washington Post não produziram sua própria explicação, mas permitiram ao editor de mídia Howard Kurtz escrever um longo artigo. Editores e repórteres admitiram ter trabalhado mal, mas ofereceram uma desculpa atrás da outra, com frases como “é sempre fácil julgar em retrospectiva”, “dificuldades de edição”, “problemas de comunicação” e “há espaço limitado na primeira página.” Um repórter top disse: “Nós somos, inevitavelmente, porta-vozes da administração que está no poder.”
No ano passado, a carnificina no Iraque se intensificou, mas aceitar a culpa por isso na América ainda era muito difícil. O presidente Bush e o vice-presidente Cheney disseram que, mesmo sabendo que a ameaça era falsa, ainda fariam novamente o que fizeram. Motivo: eles depuseram um “ditador” – ou você preferiria ter Saddam ainda no poder?
Agora vamos dar um Flash Forward para estas últimas duas semanas, quando o Iraque (lembra-se do Iraque?) ressurgiu nas seções de notícias e opiniões. Primeiro, aqueles que aceitaram alguma culpa.
David Frum, autor dos discursos de Bush, escreveu mais de mil palavras no Daily Beast descrevendo várias razões para promover a guerra antes de concluir muito brevemente: “aqueles de nós que estavam envolvidos, de qualquer maneira, devem assumir a responsabilidade.” Acrescentou: “Eu poderia ter me ateado fogo em protesto no gramado da Casa Branca e a guerra teria prosseguido sem mim”. Jonathan Chait, da revista New Yorker, se arrependeu por apoiar a guerra, mas defendeu a crença nas armas de destruição de Saddam e lembrou que “apoiar a guerra era cool e um sinal de seriedade. As pessoas que exigem desculpas hoje serão solicitadas a pedir desculpas amanhã “.
O jornalista Ezra Klein pediu desculpas em uma coluna do site da Bloomberg por apoiar a guerra – quando ele tinha 18 anos. O blogueiro Charles Pierce, da Esquire, respondeu: “É encorajador que ele não seja mais ‘jovem e burro’ para acreditar em contos de fadas”.
Thomas Friedman, famoso colunista do New York Times, admitiu que os EUA tinham “pago um preço muito alto” pela a invasão de 2003 (que ele apoiou, mas não menciona agora), mas, ei, ainda havia uma chance de que coisas boas aconteceriam – se apenas aqueles iraquianos ingratos parassem de explodir uns aos outros e criassem uma democracia estável.