O que aprendi com Andressa Urach: por Nathali Macedo

Atualizado em 4 de dezembro de 2014 às 18:02
Tudo pela fama
Tudo pela fama

Há quem diga que tudo nessa vida nos deixa uma lição – desde o filme da última sessão de cinema ao conselho materno. Partindo deste pressuposto, até mesmo a última bizarrice lamentável da subcelebridade Andressa Urach pode nos ensinar algo – neste caso, algo muito precioso, ao que me parece.

A modelo e vice-campeã do Miss Bumbum 2012 foi internada às pressas por complicações clínicas relacionadas ao uso do hidrogel, um gel aquoso comumente utilizado em pequenas quantidades, geralmente para correção de linhas de expressão, mas que foi indevidamente usado pela modelo para dar volume às pernas sem a necessidade de exercícios físicos.

A moça, que permanece na UTI, é mais uma vítima da ditadura da beleza a todo custo responsável por milhares de mortes – principalmente de mulheres – todos os anos.

A notícia – que colocou-a nas principais manchetes desta semana – tem causado estranhamento nas redes sociais. A vaidade exagerada da moça tem causado revolta dos internautas que discordam do ideal de beleza que prescinda de esforço e longo prazo.

O que ninguém disse – e não dirá, provavelmente – é que as mesmas pessoas que acusam a subcelebridade (até então muito mais sub que celebridade) como se ela fosse a única responsável pelas consequências de seu ato (muito reprovável, registre-se!), se regozijam com matérias do tipo: “celebridades sem maquiagem” ou “celebridades sem photoshop” ou “acima do peso, fulaninha é flagrada de biquíni em praia do Rio.”

Honestamente, não compreendo a sociedade contemporânea (especialmente os usuários de redes sociais, em sua maioria). Parecem, muitas vezes, escarafunchar a rede em busca de algo que possa, minimamente, ser alvo de críticas. São como caçadores de recompensas do mundo virtual: encontram algo de que possam discordar – mostrando, assim, seu notório senso de criticidade sobre o comportamente alheio – e em troca recebem likes de uma pseudoadmiração quase patética de seus companheiros de rede.

Essa matéria, por exemplo – como a maioria das matérias publicadas na internet – será, decerto, alvo de diversas críticas de quem nunca concorda com nada, mas tem preguiça de defender dignamente uma opinião contrária. Quase posso ver comentários como “cada um é responsável pelos seus atos” ou “a mulher enche as pernas de gel e isso é culpa do machismo?”

Sim, é culpa do machismo. É culpa da mídia – mídia, diga-se de passagem, sustentada e aplaudida por cada um de nós – que se acha no direito de ditar regras sobre a boa forma das mulheres, especialmente das famosas. Culpa de quem acredita que o feminismo – o mesmo feminismo que defende uma educação voltada para a independência e conscientização feminina, para que as mulheres compreendam que não precisam de coxas grossas para terem reconhecido o seu valor – é desnecessário, obsoleto, perda de tempo.

Padrões estéticos escravizam mulheres há milênios no mundo inteiro – desde as asiáticas da tribo Padaung, que usam numerosos aros no pescoço para torná-los mais longos, como manda o padrão estético da região, as chinesas que enfaixam seus pés, atrofiando-os, porque pés pequenos eram símbolo de erotismo na China, ou brasileiras que morrem por aplicarem substância de uso veterinário nas nádegas para aumentar seu tamanho e tornarem-se símbolos sexuais. Todas as mulheres que morrem para serem reconhecidas como belas, que são convencidas, desde a infância, de que as outras mulheres são suas rivais e que seu comportamento sexual determina seu mérito pessoal.

Então, todo aquele que acha absurdo e bizarro (como eu acho) que uma mulher seja internada, entre a vida e a morte, por um ato de vaidade desesperada, deveria também achar ridículas as matérias que condenam celebridades por terem padrões estéticos comuns, imperfeitos, humanos. Cada pessoa que busca algo para criticar deveria, primeiro, entender como pode colaborar. Fazer sua parte.

A vaidade exagerada – e, por vezes, fatal – de algumas mulheres é mais uma face cruel do machismo assassino que ainda cultivamos. Da padronização feminina que nos trata como objetos de decoração e nos convence disto dia após dia. Por isso, se mil vezes disserem-me que o feminismo é desnecessário, mil e uma vezes direi o contrário. Para que a mídia, as leis e os padrões estéticos parem de assassinar mulheres e fazer parecer que são elas mesmas as únicas responsáveis por seus lamentáveis destinos.