O que aprendi nas minhas conversas com mulheres que votam em Bolsonaro. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 17 de setembro de 2018 às 21:14
Bolsonaro

Num dia muito, muito distante, o mundo já foi um lugar menos doido – e é o nosso dever cívico contar isso didaticamente às nossas crianças.

Nesses tempos distantes o Brasil pós-ditadura – que ainda se lembrava bem do terror da ditadura, e por isso buscava fortalecer a democracia – já foi um país em que a Constituição não era só papel.

O que vocês veem hoje, crianças – golpe judiciário-parlamentar, com o supremo com tudo, presidenciáveis que fazem campanha jejuando em montes, mulheres que votam em candidatos misóginos e negros que votam em candidatos racistas – é o desastroso resultado do mau hábito do brasileiro de não valorizar suas memórias.

A cultura foi vergonhosamente desmontada e o Museu Nacional reduzido às cinzas. Como não repetiremos nossas mazelas no eterno retorno da história se fazemos questão de nunca nos lembrarmos delas?

É complicado.

Mas em particular para o mistério das mulheres que votam em um candidato que com seu discurso de ódio aponta uma arma para as cabeças de todas as minorias, arrisco alguns palpites:

As mulheres que conheço que votam do candidato inominável – são poucas, graças à Deusa-mãe, porque a maioria está engajada contra o fascismo e seus porta-vozes -, parecem, em geral, estar apenas seguindo o terrível padrão dos machos de suas famílias. As sufragistas se reviram no túmulo.

Votam nele porque o marido vota, porque ele quer comprar uma arma pra proteger os filhos dos bandidos – mesmo que eventualmente os filhos se matem brincando com a arma  – porque ele vai “criar a pena de morte para estupradores” (amiga, presidentes não criam leis ou penas), porque ele é o candidato que defende aquilo que lhe ensinaram ser o bem mais precioso de uma mulher: sua família tradicional, formada por marido, esposa, filhos, amante, filhos com a amante e a travesti que o marido pega quando dá uns raios.

Eu não ousaria ser leviana neste momento tão delicado: antes de escrever, conversei com mulheres bolsonaristas, e as justificativas giravam em torno da mesma afirmação: “eu e minha família votamos no mesmo candidato” (leia-se: meu marido toma todas as decisões da casa, inclusive em quem votarão todos membros da família). Em geral, votam para serem admiradas e cumprir o que acreditam ser seu papel, e não por convicção.

Decerto seria menos lamentável, embora não fizesse o menor sentido, se essas mulheres votassem em um candidato misógino porque se sentem representadas por ele, mas não: elas só estão, mais uma vez, se anulando (inclusive politicamente) para seguir à risca seu papel social e agradarem àqueles que acreditam serem os únicos capazes de legitimá-las: os homens.

Não tenho raiva dessas mulheres: o que elas me despertam é compaixão – compaixão é quando você sente a dor do outro – por saber que estão tão desesperadas por legitimação social na sociedade patriarcal (como eu mesma já estive), que topam qualquer negócio – até mesmo inventar motivos para votar em um candidato que as violenta com discursos e pretende violenta-las com um governo misógino.

É triste, e não me cabe julgá-las, mas é o meu dever deixar estas considerações.

Caras mulheres bolsonaristas: o candidato que vocês pretendem eleger aprovou apenas dois projetos de lei em vinte e seis funcking anos de atuação no Congresso – ou seja, ele teve vinte e seis anos pra “armar o cidadão de bem” e nem pra isso serviu. Ah, ele também é anti-debates, pró-violência com uma pitada de fundamentalismo, de modo que o resultado mais provável da terrível possibilidade de eleição deste senhor para a Presidência seria o enfraquecimento do Estado e das instituições – um ótimo cenário para o total colapso da democracia, que não por acaso é o que os militares sempre quiseram desde o fim da ditadura.

O candidato que vocês pretendem eleger não é “contra estupradores” – inclusive assina um projeto de lei que desobriga os hospitais do SUS a atender prioritariamente mulheres vítimas de violência sexual – é apenas a favor do ódio, e, adivinhe: estupro é um crime de ódio.

O homem que vocês pretendem eleger colocará em risco não só a democracia, mas também todas as instituições, inclusive a família, a mais preciosa herança da mulher de bem, por isso façam o que quiserem, mas façam por vocês mesmas e pensem com suas próprias cabeças.

Se a ideia é só agradar o marido, faz um bolo.