O que deve governar um editor na hora de definir a capa

Atualizado em 15 de abril de 2011 às 16:14
Esses quatro garotos mereciam estar na capa da tradicional Life, no começo dos anos 60?

Abaixo, mais um capítulo do livro “Minha Tribo: o Jornalismo e os Jornalistas”:

Nada é tão importante, numa revista, do que a escolha da capa. Como tantas coisas, parece fácil, mas é extremamente complicado.

A capa traduz o espírito da revista. Mostra como a revista quer ser vista pelos seus leitores. Uma boa capa é capaz de amenizar os problemas trazidos porum conteúdo não muito inspirado. Uma má capa atrapalha o melhor conteúdo. A experiência me mostrou que é preferível uma capa boa acompanhada de um conteúdo mediano a uma capa ruim acompanhada de excelentes textos.

A regra de ouro é buscar o frescor. As pessoas, as idéias, as tendências que estão emergindo. Que estão fazendo diferença. Que estão gerando conversas.

Pense o seguinte. Qual foi o primeiro editor que enxergou no começo dos anos 60 que os Beatles valiam uma capa e os pôs nela? Ele fez história. Viu antes que os outros. O grande editor faz isso: vê antes que os outros. Logo depois ficaria claro que os Beatles deviam estar na capa das revistas. Mas alguém percebeu isso na frente dos outros.

A maior parte dos editores espera que uma tendência se consolide para não correr riscos. Entre os jornalistas americanos a revista Time era vista como extremamente lenta e cautelosa. A Time deu um escritor na capa? Então ele já deve estar na descendente. Era assim que a Time era tida, merecida ou imerecidamente.

O grande editor adora correr riscos. Sabe que, sem eles, seu trabalho será monocórdio e burocrático. Por isso ele se cerca de pessoas que ele tem que segurar e não empurrar.

Os leitores, a rigor, não precisam de uma revista para ver nela o que já está estebelecido – seja um político, um artista, um empresário ou o que for. Não há razão para eu ler, em suas páginas culturais, por exemplo, que Tolstoi, Proust ou Montaigne devem ser lidos. Mas há algum escritor interessante que esteja surgindo sem que eu saiba? Ótimo. Valeu minha assinatura.

Não significa que os jornalistas devam louvar o novo porque é novo. Um olhar crítico e questionador é sempre vital. Para voltar aos Beatles, na primeira vez que eles foram capa era perfeitamente aceitável que a pergunta central fosse esta: estes caras vão durar? (Nem eles sabiam disso. Numa entrevista em sua primeira turnê nos Estados Unidos, um jornalista fez essa pergunta. Um dos beatles pensou um pouco e disse que imaginava que eles fossem durar um par de anos, se tanto.)

Um editor está perpetuamente em busca do que é fresco.

Ele tem que ter visão – e coragem. Ousadias podem ser questionadas e provocar desgastes. Minha experiência mostrou que as pessoas que mandam nas empresas tendem a não se manifestar quando uma revista segue o caminho seguro, ainda que repetitivo. Mas quando aparece uma novidade o editor quase sempre é instado a se explicar. Acaba sendo mais cômodo seguir a trilha fácil.

O problema é que o leitor logo não vai achar mais necessário ler a revista.

Todas as histórias de sucesso, em revistas, têm em comum a coragem visionária de um editor que soube escolher a capa – a pessoa ou a idéia ou a tendência certa na hora certa.

Todas as histórias de declínio têm também a perda desse poder de ver antes.

Reuniões de editores tendem a ser mortalmente enfadonhas. Me lembro de pessoas que diziam que mentalmente faziam as compras de supermercados enquanto as reuniões transcorriam. Mas elas poderiam ser úteis se regularmente o editor perguntasse a seus comandados: estamos oferecendo a nossos leitores o que há de mais relevante no incrível mercado das coisas novas? Se não, temos um enorme problema. Se vocês acham que sim, então me provem.