“O que Doria faz, com anuência de parte da imprensa, é justificar a violência”, diz presidente do Conselho de Direitos Humanos

Atualizado em 17 de maio de 2019 às 15:56
João Doria Jr. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O deputado Frederico D’Avila, do PSL, o mesmo que está empenhado em extinguir a Ouvidoria da polícia, apresentou um novo projeto que afronta os direitos humanos e a proteção a abusos de autoridade. Afronta mais precisamente o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).

O Condepe é um conselho composto por seis representantes da sociedade civil (com outros seis suplentes) e ainda integrantes de entidades de defesa dos direitos humanos, advogados e representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de dois convidados: um do Ministério Público e outro da Defensoria Pública, ambos sem direito a voto.

O projeto do deputado bolsonarista (que já foi publicado no Diário Oficial e caminha) prevê reduzir os seis representantes da sociedade civil para míseros dois, sendo que um deles precisa ser indicado por entidades policiais. Fora isso, o texto determina que sejam incluídos um integrante da Polícia Militar e um da Polícia Civil.

O DCM conversou sobre o projeto com Dimitri Sales, presidente do Condepe:

DCM – O que acha do projeto?

Dimitri Sales – É um projeto para extinção do Condepe. Qual a essência do Conselho? É um órgão de controle do Estado, um controle externo. Não faz sentido existir um conselho se ele for controlado pelo governo. Esse projeto fulmina a finalidade do Condepe. Ele é sorrateiro, tem um inciso que diz o seguinte: “Fica subordinado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania”… Na lei do Condepe não se fala em subordinação administrativa. O entendimento que temos com isso é que a Secretaria pretende fazer juízos de conveniência.

Dê um exemplo.

Em março soltamos uma nota pública condenando a postura do governador João Doria que premiou os policiais que mataram 11 pessoas. Não interessa se foi troca de tiro, não se comemora mortes. Isso causou grande mal estar na gestão Doria. E eu não quero que a Secretaria me diga se eu posso ou não soltar essa nota. O Condepe subordinado à Secretaria, cuja subordinação não seria administrativo-operacional-financeira apenas, sofreria um juízo de conveniência. Se já estivesse valendo esse projeto, aquela nota não sairia.

O projeto de Frederico D’Avila também amplia a participação de indicados da Alesp. Como é feita a indicação?

Quem escolhe é o presidente da Alesp. Tradicionalmente quem é nomeado é o presidente da Comissão dos Direitos Humanos. Mesmo na última legislatura que foi o Carlos Bezerra do PSDB tínhamos uma pessoa mais sensível à questão, ele comparecia às reuniões. Agora imagine se a Janaína Paschoal tivesse ganhado a presidência da Alesp, não teria como, temos incompatibilidades.

Por que esse deputado está tão dedicado a essas questões?

Esses projetos têm ligação com a Secretaria de Segurança do governador. Então escolhe um deputado que não tem muita relação com o tema – ele é ruralista e não da bancada da bala – um deputado medíocre, que teve inexpressiva votação e que está louco para ter visibilidade, ganhar mídia. Esse PL de agora dialoga com a extinção da Ouvidoria. 

A Ouvidoria tem sido muito incômoda para a PM e quem escolhe a lista tríplice do ouvidor é o Condepe. Somos nós que fazemos todo o processo desde edital até eleição. A relação é mandada para o secretário de Justiça e depois para o governador, que dos três escolhe um. A polícia sempre teve no Condepe uma pedra no sapato porque pedimos informação, vamos atrás. Têm chegado muitas denúncias de execução sumária.

Tivemos o caso recente de um assassinato na cracolândia que está nebuloso. Depois de um longo período sem ser identificada, a moça foi classificada como líder do PCC…

E que fosse. É pena de morte? O que o Doria fez, com anuência de parte da imprensa, foi justificar a violência. É para justificar a violência, porque a polícia não mirou na ‘líder do PCC’ e atirou. Ela atirou em qualquer um com arma de fogo. A vítima poderia ser eu, poderia ser você. O Estado agora carrega um cadáver. Na mesma hora que levaram a moça veio o caminhão pipa e lavou a área. Sumiram as cápsulas, você fala com a GCM ela não sabe de nada, você fala com a PM ela não sabe de nada… não dá para saber mais nada.

Qual o papel do governador João Doria nessa questão toda?

Doria é mais polido que Bolsonaro, ele sabe jogar o xadrez. Ele não faz um decreto simplesmente extinguindo o Conselho. Ele vai e o esvazia. Há então subordinação, alteração da composição do Conselho e ainda algo que estamos analisando, que é o impedimento que façamos um trabalho do controle no sistema penitenciário. Ele só permitirá nossa entrada nos presídios com prévia autorização da Secretaria. Se recebermos uma denúncia de tortura, temos que comunicar que entrevistaremos aquele detento. Desde que o Doria entrou não temos mais acesso ao sistema penitenciário. Acabou.

Na prática então já está acontecendo?

Sim. Veja, a Secretaria nos chamou e pediu que mostrássemos o ‘produto’ do nosso trabalho. Fiquei muito incomodado com esse termo, um jargão do empresariado. Não trabalhamos com produtos, não se mede o trabalho de um conselho de direitos humanos como produto. Doria parece estar disputando com Bolsonaro quem é mais nocivo. Ele está apostando que a onda de extrema direita permanecerá.

Qual a finalidade disso tudo?

É uma ação orquestrada pelo governo do Estado para esvaziar os instrumentos de controle social. E que dialoga diretamente com o governo federal. É um desmonte da democracia brasileira. Nossa democracia é participativa, isso está na Constituição, mas há um ‘projeto’ de desconstrução dessa participação. Quando você esvazia espaços como o Condepe você esvazia a democracia. 

É uma retomada do poder por aqueles que sempre foram donos do país. A retomada pelas elites já que o golpe parlamentar não deu certo uma vez que Temer foi um péssimo presidente. Os caras que estão aí decidiram caminhar pela via bruta e fazem o Brasil experimentar esse fenômeno de extrema direita. Não sei dizer se em 1964 tínhamos um movimento tão próximo ao fascismo como estamos vendo hoje.

A gente não fez a transição democrática na área da segurança. Permanecemos presos na segurança dos tempos da ditadura. A polícia militar é força auxiliar do exército, isso é um grave problema. Ela é preparada para o enfrentamento e não para exercer a segurança cidadã. Por que não se investe em polícia científica? Tivemos 10 mil prisões março. 

Dez mil! Nesse ritmo são 120 mil no ano, isso é assustador. Que sistema penitenciário suporta um ritmo desses? Mas você cumpre o papel de ‘limpar a cidade’. Então temos uma concepção de segurança pública muito ligada ao controle de uma parte da sociedade que todos sabemos qual é.