O que está por trás da fuga em massa de menores da Fundação Casa. Por Mauro Donato

Atualizado em 15 de novembro de 2015 às 10:16

fuga crianças

 

Desde que mudou o nome de Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) para Fundação Casa, nunca tantos menores escaparam de lá.

Na última sexta-feira, internos da unidade de Pirituba, na zona norte de São Paulo, rebelaram-se. Subiram nos telhados, fizeram funcionários reféns, tocaram fogo em colchões. Uma das hipóteses para a rebelião é que a fuga tenha fracassado. Seria mais uma.

Só este ano, 528 internos escaparam até 25 de outubro, data do último levantamento. É o maior número de fugitivos nos últimos dez anos. Apenas 128 foram recapturados.

O que explica isso?

O governo de Geraldo Alckmin vem contratando empresas de segurança para essas instituições de forma irresponsável. Pela política do menor preço, fecha negócio com empresas aventureiras e de pouca estrutura, que em poucos meses deixam de prestar o serviço adequado quando não fecham as portas mesmo.

“O Estado contrata mal. Fazer pregão público é ótimo para comprar pneu, detergente, enfim, produtos. Para serviço de mão-de-obra continuada e especializada não se pode levar em conta apenas o preço porque senão depois a empresa não honra o contrato, quebra, deixa seus funcionários descobertos de assistência e larga essas intituições como a Fundação Casa desprovidas de pessoal o que propicia o aumento do número de fugas”, afirmou João Palhuca, presidente do SESVESP (Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo).

Em maio a empresa Anviseg Segurança e Vigilância, uma das empresas de segurança que prestava serviços na Fundação Casa, faliu. O resultado é que nas 150 unidades do estado houve um aumento de 38% no total de fugas em relação ao ano passado, segundo levantamento da própria instituição.

A economia porca traz ainda um outro efeito colateral. Esse tipo de contratação impacta negativamente também na segurança dos fóruns criminais do estado. Nesses locais, armas apreendidas de processos ficam confiscadas ali sem um local adequado para resguardá-las. Como consequência os fóruns são frequentemente assaltados. Desde 2012 mais de 200 armas desapareceram do fórum da Barra Funda, na capital. Essas armas roubadas retornam para a criminalidade.

Para tentar contornar a situação, o governo Alckmin autorizou o “bico oficial” de policiais de São Paulo na Fundação Casa e nos fóruns de São Paulo. Diante do fracasso de sua política de segurança, o governador resolveu matar dois problemas com um tiro só. Suprir a necessidade da maior vigilância e proporcionar uma graninha extra aos PMs.

Boa ideia, certo? Negativo.

Antes de mais nada, isto é proibido. O Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em sua Seção II que trata da transgressão disciplinar enquadra como falta grave “exercer ou administrar a função de segurança particular ou qualquer atividade estranha à Instituição Policial-Militar com prejuízo do serviço ou com emprego de meios do Estado”, está no artigo 26. Ainda assim a Secretaria de Segurança Pública autorizou que Policiais Militares façam jornadas de até oito horas por escala na segurança externa das unidades.

Em vez de melhorar os baixos salários dos policiais militares com um aumento real, o governador concede gentilmente a oportunidade de seus oficiais trabalharem um extra de até 8 horas por dia com ganhos de R$ 170 a R$ 204. Captou?

O SESVESP e demais associações de trabalhadores em segurança e vigilância privada encaminharam um ofício ao governador e ao Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo José Renato Nalini. As entidades discordam e questionam a política instaurada pelo Estado para a segurança de órgãos públicos. Para o sindicato e entidades, além de acarretar na perda de empregos e infringir a lei, a prática não garante nem mesmo a economia que foi propagandeada pelo governo estadual.

“Não há dúvidas que essa nova relação entre o Estado e os policiais, estes trabalhando fora do expediente, como cidadãos comuns, será considerada relação de trabalho. Haverá juízes que condenarão o erário a responder pelos descansos intrajornada, periculosidade, horas extras com adicionais noturnos, FGTS, 13º, férias, vales alimentação e transporte e etc. A ilegalidade administrativa ainda renderá inúmeros processos trabalhistas, que levarão o Estado a pagar indenizações vultosas no longo prazo”, diz o ofício.

“Quando o governador delibera que a PM faça esses bicos ele está infringindo a lei que obriga que sejam efetuados por empresa de seguranca privada. E depois, se um setor pode usufruir então o banco, o hotel, o restaurante também irão reivindicar. Mas isso é proibido por lei”, complementou João Palhuca.

Em resumo, os ‘bicos oficiais’ prejudicam a todos: sociedade, segurança privada, os órgãos atendidos e os policiais que ficarão ainda mais estressados ao ter que dobrar seus expedientes para conseguir um salário digno.

“E tudo porque o Estado não sabe escolher uma das centenas de empresas de segurança confiáveis para lhe prestar trabalho. Para economizar alguns trocados, perde milhões e ainda deturpa a finalidade da instituição policial. Simples assim”, declarou Percival Maricato, advogado do SESVESP.

Enquanto isso, menores escapam e o discurso a favor da redução da maioridade penal e do “direito” a andar armado ganha força.