O que está por trás da “reorganização” das escolas pelo governo Alckmin. Por Mauro Donato

Atualizado em 25 de novembro de 2015 às 7:40
O secretário de Educação Voorwald e o governador Alckmin
O secretário de Educação Voorwald e o governador Alckmin

 

O governo de São Paulo esteve usando o eufemismo ‘reorganização’ para tratar do assunto fechamento de escolas, mas volta e meia escapa-lhe uma ‘reestruturação’. É a força do jargão empresarial superando os melindres tucanos. Só não chamaram de ‘descontinuidade’ o fechamento das escolas, mas alegam que irão ‘disponibilizá-las’. Quando um açougue no seu bairro fechar e virar uma imobiliária ele não fechou, só foi disponibilizado, ok?

Com tanto contorcionismo verbal e alegando preocupação exclusiva com a qualidade do ensino, o governo e sua Secretaria de Educação recorrem constantemente à única ferramenta com a qual elaboraram seu plano de reorganização das escolas em ciclos: um estudo que aponta que escolas assim divididas têm melhor resultado no aprendizado.

O estudo, isolado de variáveis, foi tido como inadequado por grande parte dos especialistas em pedagogia e entidades como Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ação Comunitária (Cenpec), as faculdades de Educação da USP e UNICAMP e diversas outras ONGs.

Aliás, não apenas pelo método precário com que foi realizado como rejeitado veementemente por especialistas em educação e psicologia que contestam muito essa segregação como algo empobrecedor na formação dos jovens. Para Rosely Sayão, psicóloga e consultora educacional, a interação entre idades diversas também é um aprendizado.

E há mais algumas coisas que precisamos saber ou pensar a respeito:

  1. A ideia não é nova. Em 1995 o governo estadual tucano usou essa mesma estratégia do ‘ciclo único’ como forma de induzir a municipalização do ensino fundamental. O resultado foi o fechamento de 150 escolas e 20 mil professores demitidos. Se ciclo único fosse sinônimo de melhoria já estaríamos em estágio muito mais avançado e não vendo esse filme novamente, vinte anos depois;
  2. O governo alega um forte encolhimento na demanda pela educação pública (desde 2000 até 2014 quase 2 milhões de alunos deixaram a rede) o que teria gerado classes ociosas. Pergunta: Se há tantas salas ‘ociosas’, por que São Paulo tem a maior média de alunos por classe do país (34,3 contra 31,1 no ensino médio)?
  3. Há também 26,6 mil professores a menos que no ano passado, uma debandada enorme. Pergunta: Depois de uma greve de quase 3 meses sem obter nenhum centavo de reajuste, o governo esperava ver seu quadro de professores crescer? Com um salário base de R$ 2.400,00 e tomando borrachada da polícia, é essa a valorização ao professor que os tucanos proporcionam? (o governo dirá que isso é bem acima do piso nacional de estupendos R$ 1.900… uma fortuna);
  4. Principal preocupação dos pais (e professores) é a superlotação das salas de aula com a tal ‘reorganização’. Ela procede: pelo índice de qualidade da rede estadual de São Paulo (Idesp) escolas com superlotação têm nota 22% menor que a média;
  5. Ao alegar ‘ociosidade’ em escolas, o governo também ignora que uma redução de 30% no tamanho da turma aumenta a proficiência dos alunos em 44%. O estudo é da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP). Resumindo, onde o governo vê de forma empresarial uma sala ociosa, deveria enxergar uma oportunidade de melhoria na qualidade;
  6. Se a segmentação por ciclos é algo tão preponderante na melhoria do ensino, o MEC não deveria estipular essa regra para as escolas privadas também? Por que elas podem misturar as idades?

Com seu autoritarismo, o governo decidiu mexer com a vida de milhares de alunos e suas famílias sem consultá-los, sem ouvir professores nem ninguém. Estava resolvido e pronto e qualquer problema envia-se a PM. As ocupações dos jovens foram uma resposta à retórica vazia tucana.

Sem prever a reação aguda de estudantes, pais e professores, e agarrando-se desesperadamente a seu único e fraco argumento – mostrando total despreparo e falta de consistência na proposta – o governo Alckmin agora apela ao dizer que o movimento é político. Ora, tudo na vida é política e querer desqualificar a presença de militantes do MTST em uma das escolas é mais um sinal claro da arrogância do governador que deve acreditar que filhos de sem-teto não devem estudar.

Em franca demonstração do quanto está ‘aberto ao diálogo’, nesta segunda-feira depois de perder na justiça o recurso de reintegração de posse, o governo inviabilizou a reunião marcada para logo após a audiência. A uma tentativa de conciliação proposta pelos desembargadores, a Secretaria de Educação não compareceu, não enviou ninguém.

Quando questionado, o Secretário da Educação Herman Voorwald afirmou não ser favorável ao envolvimento da PM na questão, disse que aquilo não era caso de polícia mas (tem sempre um ‘mas’) que entendia como necessário para ‘proteção do patrimônio público’.

Ora, quem vem dilapidando o aparato escolar é o Estado. O encolhimento da rede pública de ensino, do número de alunos e perda de professores nada tem a ver com redução na taxa de natalidade ou densidade demográfica. É ‘reestruturação’ econômica e favorecimento à privatização do ensino.