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O que está por trás da tentativa do governo da Malásia de culpar o piloto pelo sumiço do avião

O comandante Zaharie Ahmad Shah

 

Publicado originalmente na Slate.

POR WILLIAM J. DOBSON

 

Há um axioma na política da Malásia: no fim das contas, tudo é culpa de Anwar Ibrahim. Quanto mais tempo levar a inepta e desastrada investigação sobre o voo 370 da Malaysian Airlines, mais certo será que de alguma forma ela dará no líder da oposição democrática do país.

No sábado, o primeiro-ministro Najib Razak passou bastante tempo diante das câmeras para declarar que as autoridades acreditam que o avião foi deliberadamente desviado e levado em uma direção desconhecida em algum lugar ao longo de um amplo arco que vai do Cazaquistão ao Oceano Índico. Agora que a busca se transformou em uma investigação criminal, as autoridades estão dedicando um olhar mais atento para o piloto Zaharie Ahmad Shah e seu primeiro oficial Fariq Abdul Hamid.

Eles descobriram rapidamente — como, sem dúvida, todos os amigos de Shah sabiam — que o piloto foi um forte apoiador do Partido da Justiça do Povo de Anwar Ibrahim. Na verdade, acredita-se que Shah tenha assistido a audiência de Anwar em 7 de março, quando ele foi absolvido de acusações de sodomia surgidas em 2012, um caso de motivação política que o governo da Malásia desenterra em época de eleição. Anwar admitiu que eles têm um parentesco distante.

No domingo, a imprensa do Reino Unido e a malaia trataram a revelação com estardalhaço.

Shah foi descrito por uma fonte não identificada como um “militante fanático a favor do líder da oposição do país”. Em outros lugares, foi descrito (aparentemente por fontes policiais não identificadas) como “fervoroso” e “ardoroso” em suas convicções políticas. Mais de uma semana após o Boeing 777 desaparecer, falta um motivo, um suspeito claro, ou até mesmo uma cena do crime, mas existe a “conexão Anwar Ibrahim”. Essa é a política da Malásia.

Um militante fanático de Anwar Ibrahim soa assustador — principalmente se você não sabe nada a respeito dele.

Anwar é o líder da oposição de 66 anos de idade, a principal pedra no sapato da Organização Nacional dos Estados Malaios, ONEM, que governa o país há 56 anos. Anwar lidera uma coalizão que inclui seu próprio partido multiétnico, que fez as maiores denúncias contra líderes corruptos. Em 2008, a oposição ganhou mais de um terço das cadeiras no Parlamento, a primeira vez em que a ONEM perdeu sua maioria absoluta que lhe permitiu mudar a Constituição ao capricho do primeiro-ministro.

Anwar, que foi prisioneiro político por seis anos, a maior parte deles em confinamento solitário, foi eleito com folga e a oposição venceu em cinco dos 13 estados do país. No ano passado, a oposição afirmou ter vencido as eleições contra o partido no poder, uma disputa que muitos consideram marcada por fraudes generalizadas. Anwar apoiou os protestos que se seguiram, mas nunca pediu uma derrubada do governo.

Anwar está tentando derrotar o regime autoritário da Malásia através de eleições, não de terrorismo e muito menos revolução. Então, para ser claro, o que sabemos é que o piloto do MH370 é um apoiador fanático de um homem não-violento que apoia uma Malásia pluralista e democrática.

Claro, nós não sabemos o estado preciso da mente de Shah e é verdade que, horas antes do vôo, seu herói tinha acabado de receber a notícia de que um tribunal anulou sua absolvição anterior. Mas esta não é uma notícia estranha a Anwar ou a seus colaboradores mais próximos. Em várias ocasiões em que entrevistei Anwar, ele sempre foi forçado a lidar com a  ameaça dessas acusações forjadas que ele via como nada mais do que um esforço para desacreditá-lo.

Mas, se estamos formulando teorias selvagens, então por que fontes policiais não identificadas estão falando das crenças políticas do piloto uma semana depois do acidente, sem qualquer avanço sobre o que ocorreu realmente com o avião?

O desempenho das autoridades malaias durante esta investigação é análogo ao que se passa em um regime corrupto, nepotista e que há muito tempo perdeu qualquer propósito além de acumular riquezas e ampliar seu próprio poder. A Malásia tem ficado atrás, economicamente, de seus concorrentes do Sudeste Asiático em grande parte por causa de sua cultura política atrofiada. Coletivas do ministro interino do Transporte Hishammuddin Hussein, em que ele varia entre opaco e contraditório, é o que você pode esperar de ministros que raramente respondem a perguntas da imprensa.

Então, é possível que Shah tenha seqüestrado o vôo da Malaysia Airlines como alguma forma distorcida de protesto contra o governo? Claro, mesmo que pareça uma explicação menos provável do que a meia dúzia de outras teorias que estão por aí. Porque, seja lá o que aconteceu a bordo do voo 370, o apoio de Shah a Anwar Ibrahim é a única prova de que ele tinha um pé na realidade, e não que estivesse tentando fugir dela.

Diario do Centro do Mundo

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