O que fazer? Por Mareu Soares

Atualizado em 16 de maio de 2018 às 8:23

POR MAREU SOARES

Lula carregado pelo povo antes de prisão. Foto: Ricardo Stuckert/Flickr/Instituto Lula

Depois do primeiro congresso do POSDR, em 1898, quase todos os participantes foram presos. Os sociais democratas da Europa buscavam um rumo. Bernstein queria um partido reformista. Em março de 1902 foi editado o livro de Lenin, “O que fazer”. Nele, Lenin traça os rumos para os anos seguintes, visando à criação de um partido eminentemente revolucionário: “sem teoria revolucionária não poderá haver movimento revolucionário”.

Constituição Federal

A Constituição Federal é completamente clara? Não! Há ambiguidades ou contradições? Sim! A primeira falácia já se vê no parágrafo único do Artigo 1º: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”. E como o Artigo 2º nomeia que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Os dois primeiros citados representam o povo no exercício dos poderes. O Poder Judiciário não, com apenas uma exceção: o júri popular. O Judiciário é um exemplo típico de absolutismo e autoritarismo, situações incompatíveis com um sistema que quer se dizer democrático. É uma excrescência: inamovíveis, vitalícios, impositivos, indiscutíveis, sem controle externo, inimputáveis (os corruptos são aposentados com salário integral).

Afrânio Silva Jardim

Em 23 de abril o Diário do Centro do Mundo (DCM) publica o artigo de Afrânio, intitulado “A injustiça contra Lula já chegou à fase do cinismo”. Um texto didático e exemplar. Demonstra cabalmente as situações de nulidades do processo, de usurpação do foro, de ausência de tipificação de algum crime, de desprezo a mais de 80 testemunhos pela inocência de Lula (a maioria arrolada pelo MPF), de inexistência de prova documental, de prevaricação no retardo da colocação em pauta de assuntos semelhantes e genéricos pela presidenta do STF, de sentenças previamente combinadas e estabelecidas sem a oitiva dos argumentos da defesa, da combinação prévia da dosimetria da pena, ambos os casos na segunda instância, enfim, de um nítido conluio das várias instâncias judiciárias, as quais sabe-se serem compostas por oriundos de famílias de classes superiores do estrato social (que não devem ter lido o último livro de Jessé Souza). Afrânio tem a esperança ainda numa pretensa dignidade do Judiciário. Acha, porém, que “algo precisa acontecer para fazer cessar esta tremenda injustiça que está sendo perpetrada contra o maior líder popular de toda a nossa história”.

Carlos D’Incao

Em 6 de maio o Brasil247 publica o artigo do historiador D’Incao, intitulado “O que a prisão de Prestes pode ensinar a Lula”. Relata o autor que há 82 anos Prestes também era o maior líder popular do país, e que mesmo assim foi preso, mesmo sem razão e sem provas. Argumentavam sobre o terror comunista, embora impossível de se instalar na época, e muito menos hoje. Uma desculpa, todos sabemos, criada pelo capitalismo internacional, como em 1964 – neste caso porque Jango assinou a lei de controle de remessa de lucros das multinacionais. Prestes ficou preso por nove anos, e em isolamento. Manifestações nacionais e internacionais não surtiram o menor efeito. O STF negou qualquer recurso. Só foi solto depois da Segunda Guerra Mundial e do fim do Estado Novo. D’Incao acusa a classe dominante de cruel e desumana (tudo o que o sociólogo Jessé demonstra em seus livros), apesar “de ser a mais cristã do mundo”. Essa classe também ganhou dinheiro nos governos de Lula, porém ficou aviltada com a ascensão dos mais pobres para classes superiores. D’Incao é taxativo quando diz que “esperar pela compaixão ou pelo bom senso dos tribunais brasileiros é delírio ou inocência”. E apela de forma inteligente e prática quando enfatiza que “caberá ao povo e às lideranças de esquerda decidir se vão cruzar os braços e ver Lula morrer na cadeia por um crime que não cometeu ou vão começar a pensar seriamente em agir de forma mais beligerante”.

Brizola

Leonel de Moura Brizola não está mais conosco. Infelizmente. Um governador de qualquer um dos estados federados é um líder – ou deveria ser. De qualquer forma, é a máxima autoridade estadual. Em 25 de agosto de 1961 o presidente Janio Quadros renuncia, depois de apenas sete meses no governo (segundo o agitador Lacerda, responsável pelo suicídio de Getúlio Vargas, Janio queria dar um golpe de estado e voltar como ditador). O vice-Presidente, João Goulart, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (na época se votava separadamente para presidente e para vice) deveria assumir, mas estava em viagem diplomática à China. Os três ministros militares, por influência dos Estados Unidos, temerosos de uma nova Cuba cuja revolução era muito recente – janeiro de 1959, não aceitaram a posse de Jango. Brizola então, sozinho, como único governador inconformado com o pretendido golpe militar, iniciou um movimento em defesa dos preceitos constitucionais. Ficou conhecido como Movimento da Legalidade.  Um militar, de qualquer nível, sente a força ou a fraqueza de quem lhe comanda, e por isso decide obedecer ou desobedecer ordens. Brizola mobilizou a polícia militar gaúcha – Brigada Militar – que lhe obedeceu em peso. Aquartelou-se no Palácio Piratini, bem armado e entrincheirado. Cortou os sinais de todas as rádios menos uma, colocando a geração de notícias dentro do próprio palácio. Pelas ondas curtas o sinal da rádio Guaíba se transmitia a todo o Rio Grande e também a vários estados, passando a constituir a Rede da Legalidade. Distribuiu armas ao povo para se defender. A FAB ameaçou bombardear o Palácio: os sargentos esvaziaram os pneus dos aviões. No dia 28 de agosto o General Geisel manda ordem ao chefe do III Exército para atacar o Palácio. O comandante, General José Machado Lopes se recusa a cumprir a ordem e vai até Brizola anunciar que todos os quartéis do Rio grande estão juntos na defesa da Constituição. Os golpistas sabiam que Brizola e o povo gaúcho não voltariam atrás. Estávamos com a ameaça de uma guerra civil: Legalidade X Golpe; Democracia X Fascismo; Povo X Elite; Nacionalismo X Capitalismo Internacional. Em poucos dias o governador de Goiás, Mauro Borges, adere à Legalidade; perigo para Brasília. Foi então que Tancredo Neves (sempre os Neves) articula uma emenda na constituição, implantando o Parlamentarismo (Tancredo como Primeiro Ministro), condição para os golpistas aceitarem Jango. Brizola é contra, mas Jango aceita para não haver derramamento de sangue. O golpe fica adiado para 1964.

E agora?

Hoje não há um governador sozinho. Não há um herói isolado, no extremo sul do país. O PT tem 5 governadores: Tião Viana no Acre, Rui Costa na Bahia, Camilo Santana no Ceará, Wellington Dias no Piauí e Fernando Pimentel em Minas Gerais. As forças progressistas e democráticas contam ainda, certamente, com Flavio Dino, do PC do B, governador do Maranhão. Esses seis estados correspondem a 35 milhões de eleitores e a uma população de quase 60 milhões de habitantes, ou 30% do total do país. Quase todos no nordeste; Minas é um lugar estratégico. Na defesa da legalidade e contra as injustiças e ilegalidades perpetradas pelos fatos acima narrados ainda poderiam se aliar a um movimento de recuperação dos preceitos constitucionais os governadores: Renan Filho, do PMDB de Alagoas; Amazonino Mendes, do PDT do Amazonas; e Waldez Goez, do PDT do Amapá. Dependendo de apoio popular ainda se poderia contar com os governadores do PSB: Ricardo Coutinho, da Paraíba; Paulo Câmara, de Pernambuco; e Daniel Pereira, de Rondônia.

Quantos líderes temos aqui? O quanto de coragem temos? Quanta ousadia? Quanta noção de patriotismo? Quanto de reconhecimento pelos governos de inclusão social de Lula? Quanto de práxis?

Como lastimou Carlos D’Incao: vamos esperar Lula morrer na cadeia, de forma tão cruel?