O que há em comum entre Cuba, Londres e Copenhague?

Atualizado em 8 de fevereiro de 2013 às 17:45

A bicicleta.

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DE HAVANA

O que há em comum entre Cuba, Londres e Copenhague? A bicicleta. Ela deixou de ser sinônimo de pobreza para se tornar um símbolo da riqueza de uma sociedade.

Os carrões americanos antigos tornaram-se um dos principais ícones de Cuba, ao lado dos charutos e dos guerrilheiros barbudos e anti-imperialistas.

Mas esse é só mais um dos mitos que rondam a ilha. Claro que eles ainda são numerosos. Em frente ao Capitólio cubano – cópia fiel do americano – pode-se encontrar até um Edsel original em perfeito estado, carrão americano do qual foram produzidas apenas algumas poucas unidades. Mas os carrões estão desaparecendo paulatinamente, pois é cada vez mais difícil – e caro – mante-los funcionando. Os mais reluzentes utilizados como taxis ainda satisfazem a nostalgia dos turistas. Os demais espalham fuligem no ar e vão sendo abandonados à medida que a criatividade dos mecânicos não seja mais capaz de improvisar soluções para seus problemas. Quem disse que o jeitinho é só brasileiro?

 

As bicitaxis
As bicitaxis

O veículo mais popular em Cuba é de longe a bicicleta, incluindo aí seu irmão maior de três rodas – o bicitaxi. Dirigidos e movidos a pedal eles são muito populares e estão por toda parte. São disputados tanto por turistas quanto pela população local. Muitos possuem iluminação noturna com luz negra e caixas acústicas trepidando sob o banco. Nem no Soho de Londres (onde também há bicitaxis chamados de rickshaws”, do japonês jinriksha: veículo a tração humana) tem um luxo desses para chegar na balada em grande estilo…

Em Cuba – e em toda a América Latina – a música está em todo lugar. O único inconveniente é aguentar o reggaeton que substituiu a salsa e o som cubano nas ruas. Além de passageiros, eles também transportam cargas pesadas, como tijolos e sacaria. Seus condutores percorrem até mais de uma centena de quilômetros por dia.

Carregam de tudo
Carregam de tudo

Ainda que por motivos tortos – o bloqueio norte americano e a escassez de petróleo pós União Soviética e pré Chávez – Cuba é ao mesmo tempo o símbolo da decadência da indústria automobilística e da ascensão da bicicleta. Talvez seja o país com a maior diversidade de veículos no mundo. As bicicletas e os bicitaxis convivem com as charretes e carroças, as motocicletas com e sem sidecar, os motociclos a motor e elétricos – cada vez mais comuns e tão silenciosos que você se assusta ao encontrá-los – os caminhões, “guaguas” (paus de arara) e ônibus. Até aí nada muito diferente do que estamos acostumados. A diferença é que eles convivem pacifica e respeitosamente nas ruas e estradas. Ou seja, compartilham o espaço público.

Deixamos a praia de Varadero – eu e o fotógrafo Martim Passos –  no final da tarde, atrasados por causa da fila do câmbio no banco. A chegada em Cárdenas à noite foi inevitável. Todo ciclista brasileiro sabe muito bem que pedalar na estrada à noite é tenso. Em Cuba os acostamentos são intransitáveis para bicicletas, o jeito é andar no limite da pista. Eu só tinha lanterna traseira, nada para iluminar o caminho, abri mão da segurança para aliviar alguns gramas e reais da bagagem… Não cometa o mesmo erro! Foi então que um ciclomotor elétrico me ultrapassou em silêncio. Se não fosse pela luz do farol eu não o teria percebido, pois eles não fazem nenhum barulho! Ao invés de deslanchar, porém, reduziu a velocidade e, sem dizer uma só palavra, manteve-se na minha velocidade iluminando o caminho até a cidade. Chegando lá, o encanador que nos escoltava no retorno a casa, perguntou aonde íamos e nos acompanhou até nosso endereço.

Não por acaso, em Cárdenas há um monumento à bicicleta!

Compartilhamento do espaço público é a condição sine-qua-non para viabilizar o transporte por bicicletas. Mas é bom não esquecer que o tal “espaço público” não se restringe às vias de circulação de veículos, inclui as calçadas, os parques, as escolas e universidades, os estacionamentos, o metrô e as ferrovias e até os meios de comunicação, os parlamentos – locais e nacional –  e a Justiça. Se em Cuba não há ciclovias exclusivas, nem acostamentos ou leis impraticáveis que obrigam motoristas a manterem uma distância de 1,5 m das bicicletas, existe uma consciência coletiva de que todos têm o direito de se locomover da maneira que puderem, seja como for.

Na ponte de Sagua La Grande quatro rodas não passa
Na ponte de Sagua La Grande quatro rodas não passa

O que faz a diferença no trânsito não são os veículos, são os motoristas. E os motoristas brasileiros ainda são muito piores do que a velha sucata americana. Isso não há jeitinho que resolva. Só mesmo uma revolução, que não precisa ser armada, para fazer o espaço público ser compartilhado por todos em igualdade de condições. A praça Castro Alves ainda não é do povo como o céu é do avião.

Convivência pacífica
Convivência pacífica

As fotos que ilustram esta matéria são do fotógrafo Martim Passos