O que levou Lauro Jardim a fazer o papel de alcagueta no endereço de Dilma? Por Paulo Nogueira

Atualizado em 4 de setembro de 2016 às 10:33
Ele não nasceu canalha. Tornou-se canalha
Ele não nasceu canalha. Tornou-se canalha

Conheço Lauro Jardim. Levei-o para a revista Exame, de onde ele saiu para a Veja, e depois para a Globo.

É um bom cara. Não fosse, não o teria contratado. Ou o teria demitido logo. Caráter sempre foi um requisito indispensável nas equipes que montei ao longo de 25 anos como editor de revistas.

Lauro está longe de ser um canalha fundamental, como Diogo Mainardi ou Reinaldo Azevedo.

Tudo isso dito, pergunto: o que teria acontecido com o bom, sorridente Lauro para cometer uma barbaridade como a publicação do endereço em que Dilma vai morar no Rio de Janeiro?

É um legítimo caso de estudo. Lauro sofreu uma corrosão moral extrema por estar submetido ao ambiente eticamente pervertido das grandes empresas de mídia.

Sem se dar conta sequer, ele faz agora coisas que em outras épocas abominaria e rejeitaria.

Tornou-se ignóbil, sem ser isso por natureza. Se ele em algum momento despertará para a miséria moral do que faz hoje a serviço da plutocracia, e particularmente para os Marinhos, é algo que só se saberá no futuro.

Talvez ele, no final dos seus dias, diga a si mesmo: “Quando lembro de certas coisas que escrevi, sinto inveja dos analfabetos.” Talvez não.

Lauro é um caso típico no mundo das redações desde que Globo, Abril e Folha adotaram o jornalismo de guerra. Não cabem nas redações jornalistas de ética irredutível.

Os barões da mídia não querem pessoas de caráter. São tipos difíceis, que se recusam a fazer jogo sujo. Marinhos, Frias, Civitas desejam fâmulos que não questionem. Que topem qualquer missão.

O caráter foi senso progressivado expurgado das redações. Isso retirou qualquer traço de nobreza que a imprensa poderia ter. O jornalista é, classicamente, um indivíduo que se ergue contra os abusos dos poderosos, dos plutocratas. No Brasil, o jornalista é hoje um aliado, um soldado dos poderosos e dos plutocratas.

Você se vende e em troca recebe dinheiro, holofotes. A plutocracia sabe que tudo tem um preço, incluída a consciência dos jornalistas que trabalham para ela.

Nas redes sociais, o gesto de Lauro Jardim provocou repulsa. Muita gente, em retaliação, publicou o endereço dele. Em situações de ódio como a que vivemos, jornalista nenhum gosta que sua rua e seu número se tornem conhecidos. Militantes mais exaltados podem aparecer e esculachar. Ou pichar frases ásperas que serão vistas por todos os vizinhos.

Mas Lauro teve o que mereceu.

Lauro, repito, não era assim. Não nasceu com índole de delator, de alcagueta. Porque foi isso que ele fez: esticou o dedo para o endereço de Dilma.

Qual o valor disso como interesse público? Zero.

Na destruição do caráter a que homens como Lauro Jardim são submetidos, a noção disso é perdida. Ele pode achar que deu um grande furo quando foi apenas um alcagueta baixo.

A revelação de Lauro foi seguida de outras aberrações nas grandes na mídia plutocrata. A Folha deu que Dilma vai morar num apartamento de luxo no Rio.

Luxo?

No meio do texto, aparece a metragem: 125 metros quadrados. Nem um corretor imobiliário desonesto é capaz de tentar convencer um cliente de que um imóvel de 125 metros quadrados é de luxo.

Apenas a título de comparação, o apartamento de Aécio no Rio tem o dobro daquilo, e jamais alguém na imprensa afirmou que se trata de um apartamento de luxo.

Se você classifica como luxuoso um imóvel de 125 metros quadrados, o que vai dizer das casas e apartamentos dos Marinhos, dos Civitas, dos Frias?

Estive algumas vezes no apartamento de Roberto Civita perto do Clube Pinheiros. Aquilo sim era um apartamento de luxo.

Uma estátua de uma jovem numa dominava a ante-sala. Perguntei a RC onde ele a comprara. Ele contou que, numa viagem à Europa, vira a estátua num restaurante. Chamou a dona e perguntou a ela a história da estátua.

O modelo era a filha da dona do restaurante. RC decidiu comprar na hora. Pagou quanto a dona quis e enfrentou todas as burocracias para trazer a estátua imediatamente para a área mais nobre de seu apartamento em São Paulo.

Estive, em minha passagem pela Globo, na sala que fora de Roberto Marinho. Imediatamente me dei conta de que você poderia disputar uma partida de futebol nela, tamanhas as dimensões.

Apartamentos de luxo, ou casas, são as propriedades dos irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho.

Mesmo a quebrada família Mesquita jamais abriu mão de seus apartamentos de luxo. Uma amiga minha me contou que foi chamada, anos atrás, para uma reunião jornalística na casa de Fernão Mesquita. Com a graça de quem sabe contar histórias, ela me contou que foi recebida, à porta, por um mordomo em trajes completos, como nos filmes que mostram a aristocracia inglesa no início do século passado.

Mas, em meio a estas coisas, o que jornalistas das companhias de mídia fazem é sublinhar o “apartamento de luxo” de Dilma ou o “Triplex” de Lula.

É a dissolução dos costumes e do caráter nas redações.

Lauro não era assim. Tornou-se assim.