O que levou o pai do Pix a deixar o BC e se mudar para Washington

Atualizado em 16 de novembro de 2025 às 17:08
Carlos Eduardo Brandt, ex-servidor do Banco Central, liderou a criação do Pix. Foto: Divulgação

Após 23 anos no Banco Central, Carlos Eduardo Brandt deixou a instituição e também o Brasil. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, ele se mudou de Brasília para Washington há três meses para assumir um cargo no Fundo Monetário Internacional (FMI), iniciando uma nova etapa na trajetória de um dos nomes centrais na criação do Pix.

A mudança encerra uma trajetória familiar: pai e avô também foram servidores do BC, fundado em 1964. Brandt ganhou destaque internacional ao liderar o time que criou o sistema brasileiro de pagamentos instantâneos. Em 2021, entrou na lista da Bloomberg como uma das 50 pessoas que moldaram os negócios globais.

Naquele momento, o Pix completava um ano e já havia dobrado o número de usuários, de 56 milhões para 113 milhões. Desde então, o sistema se consolidou como uma referência global e é visto hoje como a face mais visível do ecossistema brasileiro de inovação financeira.

Os dados mais recentes mostram a dimensão do fenômeno: o Pix tem 161,7 milhões de usuários pessoas físicas e 16,3 milhões de empresas cadastradas. Em cinco anos, movimentou R$ 85 trilhões, cifra equivalente a sete vezes o PIB brasileiro, segundo estudo da fintech Ebanx.

A pesquisa aponta que o Pix já superou o cartão de crédito em alcance e é utilizado por 93% da população adulta do país. A estimativa é que o sistema alcance 7,9 bilhões de transações mensais ainda este ano, movimentando R$ 35,3 trilhões em 2025, alta de 34% em relação ao ano anterior.

Esse desempenho pavimentou o caminho para Brandt assumir um posto no FMI, onde atua desde agosto na área de pagamentos e infraestrutura de mercados. Para ele, a mudança foi motivada pelo desejo de ampliar o impacto do conhecimento acumulado.

“A minha percepção foi de que eu poderia contribuir com outros países e numa escala global”, afirmou. No FMI, Brandt passou a trabalhar com temas ligados à simplificação de pagamentos internacionais, área que enfrenta desafios como diferenças regulatórias, legislações nacionais e padrões de segurança.

Ele acompanha iniciativas como o projeto financeiro da SADC, bloco que reúne 16 países da África Austral, e o Nexus, do BIS (Banco de Compensações Internacionais), considerado uma espécie de “Pix internacional”. O projeto conecta sistemas de pagamentos instantâneos e está sendo implementado em Índia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia.

Prédio do Banco Central. Foto: Divulgação

O avanço das tecnologias financeiras inclui também as moedas digitais de bancos centrais, as CBDCs, que estão sendo testadas em dezenas de países. A expectativa é que essas ferramentas reduzam taxas de remessas, hoje em média de 6,5%. Como lembrou o diretor do FMI Tobias Adrian, “parte dos US$ 45 bilhões pagos anualmente aos provedores de remessas poderiam voltar para os bolsos dos pobres”.

Um ponto-chave do debate envolve a disputa entre o modelo brasileiro e a atuação das big techs. Diferentemente do que ocorre na Índia, onde empresas privadas operam parte relevante das transações digitais, o Pix foi desenvolvido e é administrado pelo Banco Central. Brandt explica que essa escolha teve propósito estratégico.

“Para se alcançar um ecossistema de pagamentos que fosse realmente inclusivo, o mais apropriado seria ter um agente neutro. E o agente neutro por excelência, no caso brasileiro, é o Banco Central, que é o regulador e não tem nenhum tipo de objetivo de lucro.”

A visão dialoga com o conceito de infraestrutura pública digital. A ONU, inclusive, lançou em 2023 uma iniciativa global de incentivo a esse modelo. O Brasil aderiu ao programa e apresentou exemplos como a nova carteira de identidade nacional, integrada ao gov.br, e a Rede Nacional de Dados de Saúde.

“O Pix entra como essa infraestrutura pública digital, ou seja, é um bem público de que a sociedade precisa e que não pode estar dependente de uma solução privada”, explica Brandt.

Essa autonomia, porém, incomodou o governo dos Estados Unidos. Em julho, o Pix entrou na mira do USTR, órgão do governo Trump, que passou a investigar o sistema brasileiro como possível “prática comercial desleal”. Uma das motivações seria o impacto do Pix nos lucros das gigantes de tecnologia que atuam no setor de pagamentos. Brandt evitou controvérsias: “As infraestruturas digitais públicas são um jogo de ganha-ganha”.

Ele acrescenta que cada governo pode “formar sua convicção” sobre modelos de pagamento, mas ressalta a segurança jurídica da iniciativa brasileira. “O Banco Central do Brasil foi muito convicto naquilo que foi feito, sempre baseado em objetivos públicos que pudessem se traduzir em benefícios à sociedade brasileira.”

O Pix integra um ecossistema mais amplo de inovação que fez do Brasil referência mundial em finanças digitais. O Valor Capital Group classificou o país como um “laboratório global” e destacou a combinação entre sistema de pagamentos instantâneos, Open Finance e o gov.br.

Guilherme Arandas
Guilherme Arandas, 27 anos, atua como redator no DCM desde 2023. É bacharel em Jornalismo e está cursando pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo e Digital. Grande entusiasta de cultura pop, tem uma gata chamada Lilly e frequentemente está estressado pelo Corinthians.