O que matou a Playboy? Por Paulo Nogueira

Atualizado em 24 de novembro de 2015 às 8:36
Bruna Lombardi foi uma das glórias da Playboy nos anos de ouro da revista
Bruna Lombardi foi uma das glórias da Playboy nos anos de ouro da revista

O fechamento de uma revista já não é notícia há um bom tempo, dada a frequência com que isso ocorre, em escala mundial, na Era Digital.

Mas o fim da Playboy no Brasil, anunciado hoje pela Abril, carrega um significado único, pelo que a revista representou ao longo de 40 anos para o homem brasileiro.

A edição brasileira da Playboy foi tão bem sucedida que ofuscou, durante muito tempo, a versão original americana.

O maior milagre da revista foi conseguir ser aceita, no Brasil, como uma publicação séria, relevante, não restrita a mulheres nuas.

O leitor podia ler a Playboy num restaurante ou num bar sem se sentir embaraçado.

O prestígio intelectual da Playboy levou-a ao melhor dos mundos: ela era um sucesso de bancas e de publicidade.

Algumas edições eram disputadas avidamente nas bancas. Cópias toscas eram feitas em impressoras e vendidas a preços incríveis. Mais exemplares eram impressos rapidamente para atender uma demanda invencível.

A revista chegou a tirar mais de 1 milhão de exemplares na década de 1990. Nos últimos tempos, vendia uma fração miserável daquilo: 15 mil, 20 mil exemplares.

O autor do milagre foi o jornalista Mário de Andrade, de longe o melhor editor que a revista teve no Brasil. Ele contou com a supervisão brilhante de seu superior e mentor Thomaz Souto Corrêa.

Mário era um chefe insuportável. Não fazia a menor cerimônia em ligar para os subordinados nos finais de semana. Comunicava-se por bilhetes, na redação, mesmo com pessoas que estavam a poucos passos de sua sala.

Ao lado da Veja, a Playboy sob Mário era o pior lugar para trabalhar na Abril. A rotatividade era extraordinária.

Mas o trato difícil, áspero, às vezes brutal era compensado por um talento incomum e uma capacidade de trabalho sem paralelo. Nunca houve uma Playboy como a feita por Mário de Andrade. Ele foi um dos maiores revisteiros — era assim que nós jornalistas de revistas éramos conhecidos — da história da imprensa brasileira.

O que JR Guzzo e Mino Carta foram para as revistas semanais de informação, Mário foi para o universo das publicações mensais em geral e masculinas em particular — ele e TSC.

Mário morreu de tanto trabalhar. Tinha 46 anos. Saiu um dia para almoçar e não voltou mais. Teve um enfarto fulminante.

Deixou mulher, três filhos de dois casamentos e enteado. Este é Luciano Huck, que frequentemente diz que Mário foi a maior influência de sua vida.

Mário morreu em 1991 e não viu o declínio de sua revista amada. Uma das primeiras vítimas da internet foram as publicações com mulheres nuas.

O hábito de ver nudez logo se transferiu das revistas para a internet. Era o começo do fim.

Depois de Mário, a Playboy ainda chegou a ter um editor marcante: Ricardo Setti. Mas, se Mário se orgulhava do que fazia, Setti parecia incomodado por editar uma revista de mulher nua. Era e é, fundamentalmente, um jornalista da área política.

Tomei conta da revista, como diretor superintendente de uma área da Abril, no começo dos anos 2000. Mas, sob mim, a revista jamais foi sombra do que fora sob Mário.

Minha paixão no campo das revistas masculinas era um outro tipo de publicação, as chamadas lads magazines inglesas. Eu cuidava da Playboy por obrigação. Da Vip, que tinha a alma das revistas inglesas, com amor, com a paixão que Mário dedicara à Playboy.

Eu falo de um mundo que ruiu, o das revistas.

Nesta mesma semana, foi anunciado em Londres o fechamento de duas das mais inovadoras  entre as lads magazines inglesas que encantaram os homens nos anos 1990.

A Playboy cujo fim foi anunciado hoje já estava morta, a rigor, há anos.

Mas a Playboy feita por Mário de Andrade estará sempre presente entre as lembranças mais preciosas da Era de Ouro das revistas.