O que meu pai me ensinou com a bicicleta. Por Stefano Maccarini

Atualizado em 21 de setembro de 2017 às 14:20
Macarini pai e Macarini filho na ciclovia da Paulista em dia de garoa

Texto originalmente publicado no site Médium.

Somos pessoas muito diferentes, eu e meu pai. Ele casou e viveu a vida de apartamento, duas vagas na garagem, família, dois filhos, êxito profissional, estabilidade financeira. Tudo muito antes que eu, e de uma maneira muito diferente da minha. De alguma maneira, até tentei trilhar seus passos: muito por insistência dele, conclui uma graduação em Engenharia Mecânica, mesmo já trabalhando em outra área. Troquei de carreira — o que deixou ele meio louco da vida — e o meu caminho profissional enveredou em direção à fotografia e produção audiovisual. Até hoje ele não entende exatamente o que eu faço, e olha que já tentei explicar mil vezes.

Não adianta. Somos pessoas diferentes e que dificilmente estariam no mesmo estrato social, conversando sobre os mesmos assuntos. Mas a bicicleta se mostrou uma paixão comum. Meu pai, um peba profissional, quase 60 anos e três Brevet de 200km nas costas, além de ter completado a travessia dos Andes e o caminho de Santiago de Compostela de bicicleta. Quando decidi que não queria mais ficar preso no trânsito de Florianópolis, foi ele quem me deu uma Caloi City — que custava a fortuna de 650 reais, ou dois meses do meu salário de iniciação científica da época.

Com a minha Caloi, conheci a Massa Crítica e comecei a pedalar em grupos, além de me envolver com a Bicicletada. Em 2013 me mudei para São Paulo e assim que cheguei comprei uma Caloi 10 que estava caindo aos pedaços, mas pedalar nela era como virar uma chave no meu cérebro, que me fazia querer ir mais rápido e mais longe. Comecei também a me engajar no movimento cicloativista que, apesar da situação política na cidade, é até hoje uma experiência que mudou minha vida e me ensina muito.

No ano passado, meu pai começou a organizar um grupo para ciclistas, o “Bodes do Pedal”, um bando de sexagenários que faz trilhas completamente não recomendadas para a idade deles (parênteses pra dizer que ele inclusive se envolveu em um acidente de bicicleta, teve traumatismo craniano e ficou 2 dias no CTI). Na mesma época, eu comecei a encarar o ciclismo como esporte de fato, pois até então o ciclismo era um treino, complementar ao futebol — esporte que, por sinal, meu pai sempre foi o camisa 10, e eu nunca passei de um peão esforçado.

A Caloi, infelizmente, teve de ser aposentada, e nesse momento eu comecei a pedalar de fixa. A manutenção era fácil e, com a ajuda de alguns vídeos no YouTube, consegui mantê-la sozinho — afinal um diploma de engenharia tem que servir pra alguma coisa. Eventualmente comecei a me envolver e pedalar com os grupos de pedal de fixa de São Paulo. Formei um grupo com amigos para pegar estrada de final de semana e comecei a executar os mesmos rituais que faziam do meu pai tão meu pai: sair de casa às 5h da manhã de domingo, de lycra e bretelle, e voltar com o corpo destruído e um sorriso no rosto.


Eu poderia dizer que fatalmente nos tornamos nossos pais. Mas apesar da bicicleta, somos pessoas diferentes: eu sou vegetariano, e ele faz a melhor costela do mundo; ele é da mountain bike, eu sou fixeiro; ele dirige todos os dias para o trabalho, eu pedalo; eu sou careca desde os 25 e ele desde sempre.

A bicicleta transforma todos os dias a minha relação com meu pai, deixando-a mais prazerosa pelo fato de dividirmos uma mesma paixão. Através dessa paixão, meu pai me ensinou que há na bicicleta uma ótima ferramenta para criar comunidades, furar bolhas, criar laços que duram uma vida inteira e, sempre que possível, deixar todo mundo pra trás na subida.